Testando a hipótese de correlação entre autismo e ateísmo


Figura: Richard Dawkins e Emma Watson tem genes similares? Bom, pelo menos Hermione Granger é geek, não sabemos se Emma também o é...


Refletindo um pouco sobre a reportagem do post anterior, me veio a hipótese de uma possível correlação entre ateísmo e mutação do gene DUF1220.

É sabido que a porcentagem de cientistas ateus entre os grandes cientistas, ou entre os cientistas que são da National Academy of Sciences, é bem maior que a porcentagem dentro da população de cientistas em geral.

Uma possível explicação é que tais cientistas são mais corajosos intelectualmente e são fortes o suficiente para assumirem seu ateísmo. É uma explicação possível, mas de dificil testabilidade científica e parece ser mais uma hipótese lisongeira self-serving ou mesmo wishfull thinking (pensamento desejante de que assim seja).

Existe porém uma outra explicação mais pedestre, mais científica e mais testável: As mutações no DUF1220 predisporiam ao alto QI, ao autismo e ao ateísmo.

Dado que as experiencias religiosas em geral envolvem um "sentimento oceânico" de ligação com outras pessoas ou com o universo, parece plausível que autistas tenham menos experiências religiosas (pois a principal característica do autismo é a falta de empatia pelo sofrimento ou pelas emoções das pessoas). Isso pode ser testado, simplesmente determinando a porcentagem de autistas religiosos ou não.

A hipótese prossegue supondo que a mutação genetica C = mutação no DUF1220 é a causa tanto de A (ateísmo) quanto B (geekeness). Ou seja, em vez de B causar C diretamente, temos um fator comum C que causa ambos A e B.

A hipótese é testável, bastando para isso examinar o genoma dos cientistas da National Academy of Science. Eu aposto um kit Colorado como eles tem uma proporção maior dessa mutaçao do que a população geral, ou mesmo a população de cientistas, em acordo com James Watson. Lembremos que empresas comerciais estão fazendo tais tipos de exames genéticos a US$ 300 hoje em dia, de modo que a experiência proposta está dentro de nossas possibilidades tecnológicas e mesmo financeiras.

Uma evidencia adicional é que aparentemente mulheres são mais religiosas (ou mais preocupadas com a "espiritualidade") do que os homens. A fração de atéias e céticas nos fóruns céticos é absurdamente desproporcional (5% ou menos? Emma Watson é uma exceção e eu apostaria que ela é parente (distante) de James Watson). Que fator sociológico poderia explicar isso? É mais sensato pensar em um fator biológico.

É sabido que a porcentagem de autistas homens é de duas a três vezes maior que de mulheres. Assim, conjecturo que mutações tipo as do gene DUF1220 são mais frequentes em homens (isso também pode ser testado - desconfio que isso já foi comprovado).

Finalmente, a hipótese se fecha, prevendo que haverá maior proporção de mutantes DUF1220 entre os ateus. Eu aposto um kit Colorado que Dawkins tem essa mutação genética (isso é facilmente testável, basta apenas Dawkins fazer o teste genético que James Watson fez). Afinal, todos reconhecemos que Dawkins tem alto QI e é um geek. Desconfio que Emma Watson também...

PS: Parece que a foto acima sofreu photoshop e que Dawkins na verdade não se parece com Emma Watson. Alguém tem uma referência sobre isso? Kentaro? Takata?

Disclaimer: Para ficar claro, sou agnóstico (na verdade partidário da Terceira Via ou teoria do Demiurgo). Participo do Fórum Ceticismo Aberto, sou editor da página da Wikipedia sobre Ateísmo e fundei a comunidade Ateus que não tem medo de Marina Silva, ver aqui. Isso, é claro, não me impede de ter uma visão crítica do ateísmo ou de inquirir sobre as bases neuro-fisiológicas da predisposição ao ateísmo e à religiosidade.

Meu interesse pelas religiões e pela Bíblia é apenas político e literário: acredito que a Bíblia é um livro de Ficção Especulativa Utópica que, de forma interessante, corresponde a uma das primeiras propostas de anarquismo político em termos históricos. Outro livro similar seria o livro de FC "Os Despossuídos", de Ursula Le Guin, que recomendo fortemente aos leitores deste blog, ver aqui.


Comentários

none disse…
Claro que o Mori tem:
http://scienceblogs.com.br/100nexos/2008/10/o-ateu-e-a-bruxa.php
---------

[]s,

Roberto Takata
William Fontana disse…
Vale-se lembrar que ateísmo nem sempre se liga ao QI, afinal diz-se que boa parte de biologos e matemáticos acreditam em Deus por questão de probabilidade.
Mas Asperger é um fenômeno mais comum do que se parece, de díficil diagnóstico e pior, muito discriminado hoje em dia...(inveja?)
João disse…
Osame:

Não penso que o seu estudo fosse conclusivo. Se se encontrasse uma grande percentagem do duf1220 entre genios podiamos sempre supor o que o Osame diz que não podiamos. Isto é, que o asperger leva a alto QI e isolamento, que leva a muitas horas de estudo, que leva a não crer em Deus.

Eu acho que era preciso verificar igualmente se o gene duf, na população em geral, é tambem mais frequente entre ateus que religiosos. Ou melhor, acho que tem de se encontrar uma correlaçao entre esse gene e o ateismo transversalmente na sociedade. Pelo menos.

Mas acho a hipotese boa. Tenho a certeza que o mundo da ciencia está cheio de Aspies, mas não tenho a certeza que os Aspies sejam tendencialmente ateus.

Mas gostava de ver o resultado de tal estudo.
Osame Kinouchi disse…
João, acho que vc tem razão. Eu só conseguiria demonstrar que a mutação gera Aspies, mas nao explicaria a origem (de uma predisposição inata para o) do ateismo, que muito bem poderia ser apenas um outcome do pensamento lógico. Ou seja, se o sr Spock é ateu, isso se deve ao fato de pensar racionalmente, nao ao fato de ser Vulcano.

Acho que, como sempre, a hipotese pode ser testada popperianamente, mas não comprovada ou verificada (pois Popper demonstrou que isso é impossivel).

Ou seja, o primeiro teste seria fazer uma pesquisa entre a população Aspie sobre a questão da religiosidade, espiritualidade e ceticismo. Se não houver correlação, a hipotese fica refutada. Outro teste seria verificar alguma correlação direta entre mutação Duf1220 e ateismo. Correlação nao significa causação: o ateismo poderia vir do alto QI, nao diretamente de tendencias autistas de isolamento social. Mas a falta de correlação derrubaria a hipotese.

Interessante que tanto Monod (Acaso e Necessidade) como Weinberg enfatizam a questão da solidão do ser humano frente à indiferença de um Universo frio e hostil. Na minha hipotese, este sentimento de solidão radical estaria relacionado com a solidão social dos Aspies...
João disse…
Osame:

Eu acho que esta na pista certa. Provavelmente acreditar em Deus é multifatorial. Um dos factores é a racionalidade. Outro é indentificar no universo propriedades como designio, proteção, ou deixar sentir que algures existam essas propriedades. Ou seja:

Imagine que existe um identificador de padroes de bondade e afecto, etc sob a forma de um nucleo neurologico algurs no cortex frontal. Imagine que Aspies não têm como usar esta rede neuronal para esse fim, mas que as outras pessoas a usam frequentemente.

E tal como ilusões de optica ou padroes ocasionais podem ser interpretados de maneira a ir ao encontro da nossa imaginação, sem que se faça um esforço, imagine que algumas situações e caracteristas do universo desencandeariam o disparar desse circuito erradamente.

Acho que com uma correlação DUF/ateismo forte e com o auxilio de fMRI e PETscans poderiamos transformar esta hipotese numa teoria.

Adicionalmente era preciso mostrar que dentre os aspies, o ateismo não varia com o QI.

Acho que isso seria conclusivo.

Leia o meu ultimo post sobre a identificação de vida ser Inata se não me consegui exprimir bem.
João disse…
Osame:

De qualquer modo, não sei se gostaria que esse estudo fosse publicado. Em nome da verdade sim, mas sei o que aconteceria.

Os religiosos iriam dizer que o ateismo era resultado de uma deficiencia - e eles não se preocupariam como nós em tentar perceber se era realmente um deficiencia ou uma vantagem. Pelo menos neste caso especifico. Reconhecer padrões gerais serve para identificar coisas mais depressa, mas em geral quando se aumenta a sensibilidade de um teste aumentam os falsos positivos. Os religiosos não iam compreender isso.

Mau para os aspies (que lutam legitimamente pelo direito à diferença e sem preconcentos )e para os ateus ao mesmo tempo e pela mesma razão.

Acho que esse estudo terá de esperar, não vá o Osame ter razão.
Osame Kinouchi disse…
Pensando bem, a hipotese poderia ser testada da seguinte modo: a questão é se é o alto QI ou as tendencias ao autismo que predispoe ao ateismo.
Podemos examinar um grupo de pessoas não-Aspies de alto QI e medir a fração de ateistas. Se essa fração for menor do que a encontrada em um grupo Aspie, então a correlação Aspie-ateismo fica mais forte.

Por outro lado, tambem podemos examinar um grupo com autistas de QI mediano ou mesmo baixo, e verificar a fração de ateistas. Se essa fração for maior do que a da população geral, teremos uma correlação autismo-ateismo onde o fator "alto QI" foi eliminado.

Ou seja, um autista de baixo QI ateu seria ateu nao porque pensou filosoficamente muito sobra a questao, mas sim porque ele tem dificuldade em ter experiencias religiosas (que acredito sejam muito parecidas com a experiencia de apaixonamento sexual e envolvem hiperestimulação da amigdala cerebral).

Para complementar, os maniaco-depressivos apresentam às vezes alto QI e criatividade. A hipótese preve que neste caso eles não terao tendencia ao ateismo, muito pelo contrário, pois estariam predispostos a "mania religiosa".

O problema é que existem quadro mistos Aspie-bipolar, pois é muito comum a comorbidade entre os dois quadros. Talvez isso explicaria a religiosidade de Newton e o panenteismo de Einstein, conforme discussão recente feita por seus biógrafos...
Felipe disse…
Interessante relação!

Pensei em Isaac Newton. Dizem que ele se enquadra no perfil da Síndrome de Asperger, ou seja, que ele era um autista. Mas ele era religioso. Isso me coloca em dúvida sobre a relação que vc fez aqui. Mas, ao mesmo tempo, talvez vc tenha razão, pois Newton, apesar de religioso, não aderia ao tipo de adoração religiosa tradicional. Ele era mais do tipo que estudava factualmente os modos como Deus poderia se manifestar no mundo físico e tal. Ou seja, apesar da crença, ele não parecia abarcado pelo sentimento oceânico de totalidade que as religiões proporcional, ao contrário, ele parecia ser bem factual e concreto mesmo nesses estudos.

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