Gripe suína: o número de casos confirmados cresce exponencialmente


É impossível avaliar no momento a taxa real de transmissão da gripe, ou seja, quantos casos em média um caso produz (isso é chamado de taxa de ramificação sigma).

Porém, é interessante constatar que os casos confirmados oficialmente pela Organização Mundial de Saúde crescem exponencialmente com uma taxa sigma = 1,5. O gráfico acima foi eu que fiz com os dados da OMS retirados daqui.  O dia zero é hoje.

Espero que esse não seja o valor de sigma verdadeiro. Se for, o processo é realmente supercrítico de maneira robusta e teremos uma pandemia inevitável (OK, acho que a OMS sabe disso, afinal fase 5 significa exatamente "pandemia iminente"). 

Me irritam argumentos falaciosos usados pelo ministro Temporão em suas entrevistas, por exemplo sugerir que os 52 hospitais com leitos designados são suficiente. Primeiro, porque ele não informa quantos leitos destinados à gripe existem no total (eu suponho que sejam menos de 1000, que era o menor número recomendado pelo plano de contenção do Ministério da Saúde), e segundo porque foi divulgado que apenas metade desses leitos possuem pressão interna inferior à atmosférica (a fim de evitar o escape do vírus).

O centro de Prevenção e Controle de Doenças da União Européia estima que de 40 a 50% da população pegará a gripe, e que desse total, 4% precisarão ser hospitalizados. Vamos ser conservadores (dado que todos sabemos que as condições de saúde no Brasil são muito melhores que na Europa!): estimemos 30% de contágio e 2% de hospitalizações. Isso dá 180.000.000 x 0,3 x 0,02 = 1.080.000 hospitalizações (casos graves). Supondo que um leito seja ocupado por duas semanas (muito conservador!) e supondo uma temporada de gripe de 8 semanas (ver aqui), teriamos uma necessidade, por baixo (e bota baixo nisso!) de 250.000 leitos. Ministro, quantos leitos disponíveis nós temos mesmo? E o que acontece com os casos graves se eles não forem hospitalizados?

Eu também não entendo essa ênfase dos jornais em ficar repetindo frases confortadoras sem análise crítica. Vejamos as mais comuns:
1. "A OMS não recomenda fechar fronteiras ou cancelar viagens aéreas". Sim, ela não recomenda porque a epidemia está fora de controle, de modo que não adianta mais fazer isso. Seria uma penalização das companhias aéreas sem retorno em contenção epidemiológica. 
2. "O consumo de carne de porco bem cozida é seguro". Mas é claro, o consumo de qualquer alimento bem cozido é seguro. A pergunta é: as manadas de porcos estão sendo contaminadas (como no caso reportado hoje pelo Canadá?). Essas manadas de porcos ajudam a propagar a epidemia? Santa Catarina vai sofrer mais devido à seu enorme rebanho de porcos? A gripe suína pode ficar endêmica em Santa Catarina e retornar todo ano, com vírus mutados?
3. "A automedicação não é recomendada". Sabemos disso, afinal nenhuma automedicação é recomendada. A questão é: o Tamiflu está esgotado nas farmácias? (Sim). 
4. "O governo tem matéria prima para fabricar 9 milhões de tratamentos". Isso significa 9 milhões de doses (e portanto 900.000 pessoas atendidas dado que cada uma necessita de 10 doses) ou 90 milhões de doses? Sendo otimista e supondo 9 milhões de atendimentos de casos graves, quantos casos graves espera-se supondo uma taxa de infecção (conservadora) de 20% da população? E em quanto tempo os laboratórios do governo conseguiriam fabricar essas doses? E por que ainda não começaram a fabricação?
5. "Nenhum caso confirmado ainda no Brasil". Claro, dado que não dispomos dos kits de identificação laboratorial do vírus. A questão é: por que esses kits demoraram tanto a chegar?
6. "Temos apenas 7 casos suspeitos e 42 casos em observação". Números absolutos nada dizem sobre um processo com crescimento exponencial. Lembram da historinha do rei da Índia e do criador do xadrez? O rei perguntou ao sábio o que ele queria em recompensa pela invenção do jogo. O sábio disse que queria "apenas" um grão de arros pela primeira casa, dois pela segunda, quatro pela terceira, oito pela quarta etc... O rei ridicularizou o sábio por querer uns poucos grãos de arroz. O sábio mostrou depois que 2 elevado a 64 grãos de arroz era maior que toda a riqueza da Terra... 

São essas as perguntas que os repórteres e blogueiros deveriam pesquisar. Mas todo mundo está ocupado  em participar de uma overreaction sobre a suposta overreaction da OMS. OK, essa estratégia de avestruz escondendo a cabeça no buraco de areia pode ser desculpável em pessoas leigas pseudo-intelectuais, porta-vozes do governo e jornalistas desinformados, mas não em cientistas que entendem um mínimo de dinâmica de populações e epidemiologia.

Comentários

João Carlos disse…
Como diria Jack, o estripador, vamos por partes:

1 - No caso específico do Brasil, como se faria para fechar as fronteiras?... Isso é simplesmente impossível! Na verdade, não dá nem para vigiar direito (muito menos controlar o ingresso de pessoas contaminadas).

2 - Não entendi que correlação a afirmação sobre o consumo de carne de porco tem para com a higidez do rebanho. Só para traçar um paralelo, que me conste, ainda não apareceu o vírus H5N1 (aviário) no Brasil – mas está sendo vigiado. Por que seria diferente com o H1N1 suíno? (Principalmente sendo o Brasil um grande exportador de carne de porco)

3 - E o que você propõe? Obrigar o laboratório a ficar mais rico, vendendo mais doses desnecessárias?

4 - Admitamos – para argumentar – que sejam apenas 9 milhões. De onde você tirou a idéia que serão apenas esses 9 milhões? (e o Butantan vai produzir... não só para o Brasil)

5 - Os pacientes com casos suspeitos estão sendo isolados. Os kits só estão disponíveis nos EUA e em número reduzido. No resto do mundo, o trabalho é feito com PCR.

6 - Vale a observação inicial acima. Os casos ainda são poucos e ainda não foi registrado caso algum de transmissão dentro do Brasil.

Mas cabe uma pergunta que eu estava relutando em fazer: você realmente acha que os blogueiros deveriam aderir ao hype da mídia e ficar divulgando números (que nada significam para a maioria dos eventuais leitores)?... Essa atitude iria servir para que?

BTW, como vai a fabricação artesanal de máscaras faciais? ;)
João Carlos disse…
Corrigindo meu comentário anterior: há um caso de suspeita de contaminação secundária em Belo Horizonte.
Osame Kinouchi disse…
João, o que eu disse foi que essas frases em italico no post, amplamente repetidas na midia, não sao informativas e são, na verdade, desinformativas. Repetir que a OMS não recomenda fechamento de fronteiras dá a impressão que isso se deve porque a epidemia não se estabeleceu, enquanto que é justamente o contrario. A OMS não recomenda porque já é tarde demais para tanto.

O que adianta dizer "os casos ainda são poucos no momento" em uma fase de crescimento exponencial onde o numero de casos dobra a cada dois dias? Isso não apenas transmite uma falsa sensação de segurança como não serve para educar as pessoas sobre o que significa o crescimento exponencial da fase inicial de uma epidemia.

A temporada de gripe no Brasil é no início do inverno.
Uma epidemia de gripe dura cerca de 6-8 semanas. Supondo que a epidemia comece em junho no Brasil, serão produzidas as 9 milhoes de doses a tempo? Quem disse que vai dar tempo para importar e distribuir mais doses até o final de julho?

Divulgar a verdadeira natureza de uma epidemia (por exemplo, que o que importa é a taxa de transmissão e nao o numero absoluto de casos) é um exemplo de divulgação científica. Questionar se o governo dispõe realmente do numero de leitos que ele preve em seu próprio plano de contenção é jornalismo. Fazer piadinhas ou teoria conspiratoria sobre o hype não é divulgação científica...
Osame Kinouchi disse…
Relembrando,
O Ministério da Saude tem matéria prima para fabricar 9 milhoes de doses, vai levar um tempo para efetivamente fabricá-las. Quanto tempo? Ninguém sabe informar...
Ministério da Saúde disse…
Osame,
Hoje o Brasil possui 12.000 tratamentos prontos para uso. À medida que forem sendo usados, novas doses serão produzidas a partir dessa matéria-prima. Dessa forma, haverá quantidade suficiente de medicamento para a população. O Ministério da Saúde esclarece que esse procedimento é necessário porque os tratamentos prontos para uso possuem um prazo de validade menor que sua matéria-prima. Disponibilizamos o e-mail fernanda.rocha@saude.gov.br para mais informações.

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