Por que ceticismo não é igual a espírito científico?


Todo denialista é um cético (em relação àquilo que nega). Todo criacionista é um cético (em relação à evolução). Para se crer em algo que não é aceito pela comunidade científica, você precisa ser cético em relação à ciência. Todo conspiracionista é um cético em relação à história dos historiadores.


Então, o problema da pseudociência não é um excesso de crença ou fé, mas um excesso de ceticismo: a negação de conhecimentos bem estabelecidos.


A origem dessa atitude é um empirismo raso que acredita que evidências são mais importante que as teorias: não são. É uma relação diáletica: os novos dados corrigem as teorias, mas as teorias corrigem os dados (que normalmente estão contaminados por ruído e erros diversos).


Então Movimento Cético não é um bom nome: o pessoal cético na verdade tem uma crença firme e profunda na ciência.


Para um exemplo de teorias corrigindo evidências, ver aqui as explicações contra as "evidências" de que o homem não pousou na lua.

Comentários

none disse…
Os movimentos céticos se baseiam essencialmente no "novo ceticismo" de pessoal como Paul Kurtz e Michael Shermer. Que por sua vez se baseia no "ceticismo moderno" de David Hume.

O ceticismo não é "desacreditar", mas sim "duvidar, examinar, ter espírito crítico".

O chamado "ceticismo antigo", gestado ainda na Grécia antiga, é que namora com o nihilismo.

O ceticismo, como se entende entre os autoproclamados céticos, não corresponde, portanto, ao simples negacionismo.

De resto, seria o mesmo que dizer que "teoria da relatividade" não é um bom nome, já que se trata (como o próprio Einstein dizia) de uma teoria que revelava uma *invariância*. Ou pegar uma outra acepção de "evolução" (p.e. "progresso") e negar a validade do termo "teoria da evolução".

E deve se atentar para o fato de que você está usando o termo "crença" com duas acepções diferentes - a religiosa (fé) e a extensiva (aceitação da veracidade de uma afirmação ou negação).

[]s,

Roberto Takata
Osame Kinouchi disse…
Roberto,

O post visa observar que o problema da pseudociencia é sua atitude hiper-cética, baseada em um empirismo raso. Como você pode observar no artigo do Projeto Ockan, cada explicação de uma evidencia empirica de fraude (por exemplo, a falta de estrelas nas fotos) não é contestada por uma contra-prova empírica (por exemplo, uma foto com estrelas) mas sim com uma explicação baseada em teorias físicas (por exemplo, o funcionamento das cameras fotográficas).

Ou seja, o que distingue o ceticismo científico do ceticismo pseudocientífico é sua confiança nas teorias aceites da ciência e não em um empirismo raso.

A idéia de um empirismo puro como base da ciencia foi refutada desde Popper. Assim, eu quis ressaltar que não é a "atitude empírica" nem o "ceticismo" que distingue o movimento cético do movimento pseudocientífico, mas sim a sua busca por coerência e adequação entre evidencias empiricas e conhecimento teórico já estabelecido.

O excesso de ceticismo gera o conspiracionismo e a paranóia.
none disse…
Mas ninguém disse que o novo ceticismo se baseia no empirismo raso...

O novo ceticismo se baseia no novo racionalismo (não confundir com racionalismo filosófico). Tem elementos do novo empirismo (não confundir com empirismo filosófico). E, sim, há aceitação do conhecimento científico.

"Still a third kind of skepticism had emerged on the philosophical scene in the early part of the 20th century. Charles Peirce and the American pragmatists argued that skeptical doubt is but one phase within a process of inquiry, but it can be overcome when hypotheses are tested by adequate evidence and justifying reasons. This form of skepticism is positive and constructive and it is limited to specific contexts under inquiry. Scientific inquirers realize that their formulations may not be fixed or final and may be modified in the future by future observations and theories. Nonetheless, science presupposes the conviction that reliable knowledge is possible and can be attained by persistent efforts.

The kind of skepticism which the Committee for the Scientific Investigation of Claims of the Paranormal presents is continuous with the third kind above. I have called this 'the new skepticism' in my book by that name. This form of skepticism is based on the realization that the progress of science is the result of the continuing application of the methods of science, and that skepticism is an intrinsic part of the process of inquiry."
http://www.cicap.org/new/articolo.php?id=101002
----------

[]s,

Roberto Takata
none disse…
"Assim, eu quis ressaltar que não é a 'atitude empírica' nem o 'ceticismo' que distingue o movimento cético do movimento pseudocientífico, mas sim a sua busca por coerência e adequação entre evidencias empiricas e conhecimento teórico já estabelecido."

Não exatamente. Boa parte das pseudociências também buscam se legitimar com um discurso "científico". Veja que as contestações dos negacionistas da ida do homem à Lua não apelam para forças mísicas - tb querem interpretar à luz do conhecimento científico tradicional (luzes projetam sombras em direção paralela aos raios luminosos, sem atmosfera não há dispersão da luz, etc.).

[]s,

Roberto Takata
none disse…
Além disso a equipe da ex-Csicop fazia exatamente investigações a respeito do paranormal. Coisas que necessitavam de testes e poderiam ser testadas eram submetidas a testes: como alegações de psíquicos de que eram capazes de ler a mente das pessoas e coisas assim.

No Brasil, movimento cético não é um bom nome porque não é um movimento.

[]s,

Roberto Takata
Osame Kinouchi disse…
"Mas ninguém disse que o novo ceticismo se baseia no empirismo raso..."

Exatamente isso, Takata, nem eu disse tal coisa! Eu disse que as pseudociencias se baseiam em um empirismo raso!

De novo observo que o post é sobre a atitude cética (em relação às ciências) necessário a toda pseudociencia. Não é um post sobre o ceticismo científico.

O que eu estou dizendo é que o ceticismo científico é um ceticismo moderado, enquanto que o ceticismo pseudocientífico é um hiper-ceticismo (nega o conhecimento acumulado). Mas como voce bem observou, nem sempre ele faz isso.

E que o papel das teorias é subestimado nesta discussão.

Exemplo: mesmo se houvesse evidencias mais fortes sobre a telepatia, os cientistas ainda ficariam céticos. Mas se houvesse uma boa teoria por trás, evidências marginais seriam vistas como confirmatórias.

Todo mundo acreditava em neutrinos ou buracos negros antes de terem evidencias empiricas conclusivas sobre os mesmos...
none disse…
"Exemplo: mesmo se houvesse evidencias mais fortes sobre a telepatia, os cientistas ainda ficariam céticos. Mas se houvesse uma boa teoria por trás, evidências marginais seriam vistas como confirmatórias."

É que uma *boa* teoria significa uma teoria amplamente testada. Isso significa que a telepatia teria todo um background empírico por trás.

"Todo mundo acreditava em neutrinos ou buracos negros antes de terem evidencias empiricas conclusivas sobre os mesmos..."

Mais ou menos. Veja o caso das supercordas (ou das p-branas). Há uma empolgação pelo potencial teórico delas, mas ao mesmo tempo há uma reticências pelo fato de não haver nenhum indício empírico. Ninguém sabe se elas são a solução para a teoria de tudo, ou se são os loops quânticos ou outra coisa.

Os buracos negros como conceito foram concebidos em 1783. Quando Scwarzchild usou as equações da relatividade geral mostrando a existência teórica dos buracos negros, Einstein recebeu a notícia com reticências. Foi um processo gradativo de aceitação de que os buracos negros provavelmente existiam - em boa medida pela confirmação indireta (testes de hipóteses da teoria subjacente mostravam que a teoria era bastante consistente).

[]s,

Roberto Takata
Vladimir disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Vladimir disse…
Prezado, Roberto Takata,

Na verdade, o conceito de buracos negros foi concebido em 1915. Em 1873, nasceu Karl Schwarzschild.

http://en.wikipedia.org/wiki/Karl_Schwarzschild

Saudações,
Vladimir.

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