Físicos brasileiros publicam sobre biologia na Nature

Um belo exemplo de porque os físicos são importantes para a Biologia (basicamente porque os biólogos são muito conservadores e os físicos são mais cool e aventureiros).

Da Revista FAPESP, via blog SEMRUMO, via Anel de Blogs Científicos (sim, um caminho tortuoso - eu recebo a Revista FAPESP mas não tinha lido isso):


Especiação sem barreiras

Trabalhando com simulações em modelos matemáticos, um grupo de pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos acaba de propor um mecanismo de formação de novas espécies biológicas que não envolve barreiras físicas ou isolamento geográfico. O estudo foi publicado na edição do último dia 16/7 da revista Nature.

De acordo com o primeiro autor do artigo, o professor Marcus Aloizio Martinez de Aguiar, do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o mecanismo mais conhecido de formação de novas espécies biológicas é a chamada especiação geográfica: barreiras ecológicas impedem a troca de genes entre indivíduos de uma mesma população que, ao longo do tempo e submetidos a distintas pressões de seleção natural, acabam por gerar espécies diferentes.

Evolução sem seleção natural

Segundo ele, a principal contribuição do novo estudo é ter sugerido um mecanismo de especiação que prescinde das barreiras espaciais e da seleção natural, mas cujos resultados são compatíveis com os padrões de abundância de espécies observadas na natureza.

"O número de espécies existentes atualmente é muito grande - cerca de 100 milhões -, o que indica que a especiação é a regra e não uma exceção. Portanto, os mecanismos de especiação devem ser muito simples, embora sua compreensão não seja trivial. Um deles, sem dúvida, é o processo de isolamento geográfico, mas é improvável que seja o único. Nosso estudo aponta para a existência de um mecanismo diferente, em consonância com as observações experimentais", disse Aguiar à Agência FAPESP.

O artigo foi publicado pelo físico e colegas das universidades de Boston e do Arizona e do New England Complex Systems Institute, nos Estados Unidos.

Segundo Aguiar, uma das hipóteses aceitas para explicar a diferenciação das espécies com mecanismo de especiação geográfica é o avanço das geleiras nas eras glaciais, que formavam barreiras e isolavam grupos de animais por longos períodos.

"Mas alguns estudos confirmaram casos, como o da formação de certas espécies de aves, que não tinham correlação com a glaciação, sugerindo que deveria haver outros mecanismos. Aparentemente, o isolamento geográfico não dá conta de observar toda a variedade de espécies observada na natureza", apontou.

Não são as barreiras, mas a distância, o que importa

Utilizando modelos matemáticos, os pesquisadores simularam populações de indivíduos idênticos distribuídos no espaço de forma a permitir a reprodução entre aqueles que não estivessem muito distantes uns dos outros. Mas, a partir de certa distância, essa reprodução não ocorria.

"Conseguimos determinar que existe uma distância crítica para que um indivíduo escolha um parceiro para a reprodução, mesmo sem a existência de barreiras. O tamanho dessa vizinhança onde as escolhas são feitas foi um dos parâmetros do modelo", explicou Aguiar.

Além do fator relacionado à distância, o estudo determinou também que a reprodução só ocorre quando os indivíduos têm um certo grau de semelhança genética.

"Além da distância espacial, há também uma distância genética crítica. O que mostramos é que, se a distância espacial ou genética for muito grande, não há formação de novas espécies. Existe uma região de parâmetros na qual a especiação ocorre e uma outra na qual não ocorre", disse.

Congestionamento natural

No modelo desenvolvido, cada vez que a especiação ocorria os cientistas analisavam quantas espécies eram formadas e quantos indivíduos apareciam em cada espécie.

"Esses padrões de números de indivíduos e de espécies são mais ou menos universais. As análises estatísticas dessas quantidades se mostraram bastante compatíveis com o que é observado na natureza. Esse foi um dos pontos fortes do estudo", disse Aguiar.

Segundo ele, o mecanismo de especiação proposto, que não envolve o processo de seleção natural, é conhecido como mecanismo neutro. "Trata-se de uma formação espontânea de espécies, sem nenhuma pressão seletiva. É um processo natural que aparece simplesmente por conta de uma formação de padrões", disse.

O surgimento de espécies sem barreiras físicas específicas, segundo o estudo, pode ser comparado aos pesados fluxos de tráfego de veículos, que podem formar engarrafamentos mesmo em casos isentos de acidentes ou barreiras.

O artigo Global patterns of speciation and diversity, de Marcus Aguiar e outros, pode ser lido por assinantes da Nature em www.nature.com


Fonte: Agência Fapesp, artigo de Fábio Castro


Comentários

none disse…
Só sendo um pouco ranheta: "o estudo determinou também que a reprodução só ocorre quando os indivíduos têm um certo grau de semelhança genética." Bem, para isso não é preciso nenhum físico descolado... qualquer primeiranista do ensino médio sabe disso...

E a reportagem - talvez motivada pelo estudo - força muito a mão da teoria da vicariância da especiação. Há muito os biólogos estudam outros modo de se gerar isolamento reprodutivo. E distância, é apenas uma variedade de vicariância. Mas há modelos que prescindem de distância espacial, como a especiação simpátrica e parapátrica.

O isolamento por distância foi bastante estudado por, se não me engano, Fisher (entre outros modelos matemáticos que ele criou).

[]s,

Roberto Takata
Osame Kinouchi disse…
Incrivel como os referees da Nature não viram isso, não é mesmo?
none disse…
Os referees eram todos físicos. : ) Zoando.

Mas usá-lo aqui como argumento de autoridade não teria muito sentido, já que as alegações são fatos verificáveis:

1) Há outros modelos de especiação. Um dos que desenvolveram inicialmente o modelo da especiação simpátrica foi o engenheiro Maynard-Smith. Um modelo bem estudado é o da especiação de duas populações de _Rhagoletis pommonella_ em maçãs e espinheiro-alvar. E.g. http://www.nature.com/hdy/journal/v77/n1/abs/hdy1996111a.html

2) "Fisher estudou o modelo de isolamento por distância." Na verdade foi Wright (aqui um artigo de 1942): http://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.fcgi?tool=pubmed&pubmedid=17247074
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De todo modo, os referees devem ter visto. No artigo, Aguiar et al. mencionam a especiação parapátrica e simpátrica.

O que a reportagem diz, que o estudo *mostra* que a reprodução só ocorre entre indivíduos geneticamente similares, *não* é verdade. Isso foi uma *premissa* do estudo, na descrição do método lemos: "We used agent-based simulations in which agents identified by geographical location and genotype undergo sexual reproduction in pairs limited by geographical and genetic proximity". Como observei antes, seria estranho um estudo hoje se propor a mostrar isso. (Seria similar a um estudo mostrando hoje que as plantas fazem fotossíntese.)

Eu havia citado Fisher, o que Fisher havia mostrado é que a distância em si não permite o isolamento se houver uma pequena taxa de migração entre as populações. O estudo em questão de Aguiar et al. elimina a migração (eles mencionam aves migratórias, mas consideram que se reproduzem perto do local em que nasceram).

Como sabemos que indivíduos migram, então a premissa adotada não é realista. A questão interessante é: por que adotando-se uma premissa fatualmente não realista ainda assim o resultado é similar ao padrão observado?

O que é tb um tanto estranho é a afirmação de Aguiar para a Agência Fapesp: "O número de espécies existentes atualmente é muito grande - cerca de 100 milhões -, o que indica que a especiação é a regra e não uma exceção." O número de 100 milhões é uma extrapolação *superior* de certas estimativas de biodiversidade planetária total. As estimativas variam de 2 milhões a esses 100 milhões. Se fossem 2 milhões de espécies atuais, ainda assim valeria que a especiação é uma regra? Por outro lado, esse número tem que ganhar uma dimensão temporal - a especiação não ocorre apenas no espaço, mas também no tempo. Uma grande diversificação pode ocorrer mesmo a uma taxa irrisória, desde que haja tempo suficiente.

Ainda menos sustentável é a conclusão: "Portanto, os mecanismos de especiação devem ser muito simples, embora sua compreensão não seja trivial." Vamos supor que a especiação seja bastante fácil, isso não quer dizer necessariamente que o processo seja simples, apenas que é frequente. O processo de produção de carboidratos com o uso de energia solar é altamente complexo, no entanto se contarmos a biomassa gerada por esse meio concluiríamos então que o mecanismo de fotossíntese é simples? Não.

[]s,

Roberto Takata
none disse…
Agreguei os meus comentários em uma postagem: http://genereporter.blogspot.com/2009/07/no-slogans.html
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[]s,

Roberto Takata

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