Complexo de Cassandra IV


Há uns 15 anos atrás, quando eu falava em epidemia de obscurantismo no país, os meus amigos eram "céticos" quanto a isso. Hoje, são os mesmos que escrevem blogs a favor do ceticismo e do ateísmo.






Esse é o drama de toda pessoa que faz análise crítica: ela sabe que a crítica é necessária para que as coisas melhorem (supondo que a palavra tenha realmente algum poder de mudar o mundo). E sempre bate aquele medo de sua crítica não ser radical o suficiente, de não pegar o problema pela raiz. Assim, acaba-se criando uma competição sem fundo entre os críticos para ver quem é mais radical. Mas então o crítico percebe que o mesmo tipo de crítica radical pode ser feita a todas, todas as atividades humanas (“we are all in the gutter”, lembram?), sem exceção:

Amor romântico: invenção de Hollywood; o verdadeiro ópio do povo (especialmente das mulheres); ilusão a dois visando exploração sexual e econômica mútua; origem de todos os crimes passionais;

Música: Um dos principais produtos da indústria cultural; instrumento de guerra usado para elevar o moral dos soldados; essencial na propaganda e marketing; atinge o ápice da perfeição artística nos jingles obsessivos e na música popular “Boquinha da Garrafa”; droga psicotrópica baseada na excitação ressonante de ritmos cerebrais que liberam dopamina (ver também “ectasy”);

Artes plásticas: Atividade patrocinada pela Igreja durante a Idade Média e usada como instrumento de doutrinação; também financiada pela burguesia visando expressão de poder (ver “Michelangelo”) e por estados totalitários (ver “arte nazista” e “realismo socialista”); atualmente representa sinal de status para colecionadores ricos; investimento financeiro de médio risco “ver mercado de arte”; artistas plásticos: responsáveis diretos pela poluição visual das grandes cidades; artes plásticas aplicadas: ver “propaganda e marketing”;
Cinema: Veículo de propaganda ideológica; pilar central da hegemonia cultural americana; muito usado como propaganda de guerra e incitação à violência; ópio da classe média (ver “videocassetes e DVDs”); principais filmes do século XX: Rambo, Os boinas verdes, Patricinhas de Beverly Hills;
Fotografia: Tecnologia militar importante (ver “fotografia aérea”, “satélites”); principal aplicação civil: pornografia (ver “Internet”); ver também “paparazi”.

Literatura: Principal instrumento de reprodução ideológica das classes dominantes; mercadoria de massa da indústria cultural (ver “bestseller”); na sua forma dita culta, escapismo para intelectuais; principal meio de preservação de estereótipos e preconceitos historicamente
ultrapassados (ver “Sheakespeare”);

Jornalismo: Quarto poder que, ao contrário dos outros três, não é sujeito a eleições democráticas; principal instrumento das classes dominantes para controle da opinião pública; ver “propaganda de guerra” e “CNN”; veículo de marketing político; ver também “imprensa marrom”; perfeitamente representado no Jornal Nacional e nos tablóides;

Religião e espiritualidade: Fonte de todos os males; ópio do povo (ver também “Cannabis Sativa” e “LSD”); origem de todas as guerras santas, intolerâncias e inquisições; ideologia repressora da sexualidade humana e das mulheres; tecnologia de guerra usada para elevar o moral das tropas; principal fonte de justificação do status quo nas civilizações orientais;

Ciência: Fonte de todos os males (ver “Prometeu” e “Caixa de Pandora”); ideologia central do capitalismo e do comunismo estatal; causa principal da explosão populacional; principal fonte de desequilíbrio ecológico; atinge a perfeição no desenvolvimento de tecnologias de guerra: comida enlatada (ver “Napoleão”), penicilina (ver “II Guerra Mundial”), radar, aviões, satélites, laser, computadores e WWW (rede de origem militar usada basicamente para propaganda on-line e veiculação de pornografia infantil);

Matemática: Principal instrumento da Tecnocracia; linguagem hermética desenvolvida para a auto-exclusão intelectual das Humanidades; principais aplicações: armamento nuclear (ver “Pitágoras como precursor de E = mc2 e da Bomba Atômica”), contabilidade, matemática financeira e medidas racistas de QI;
Alfabeto: Instrumento de dominação social inventado por burocratas babilônicos; principal promotor da exclusão social (ver “analfabetismo”) e da extinção das tradições orais; tecnologia básica de propaganda; peça essencial de todas as tecnologias de dominação arroladas acima.

Fogo: Tecnologia de guerra inventada pelo Homo Sapiens; responsável pela extinção de milhares de espécies animais (ver “Culinária”); principais aplicações: lança-chamas, queimadas na floresta
tropical; ver também “armas de fogo”;
Homo Sapiens: Espécie dominante do planeta Terra que explora e oprime todas as outras; inventor de todas as tecnologias de guerra descritas acima; principal responsável por todos os problemas humanos e ecológicos; câncer biológico que necessita urgentemente ser extirpado a fim de que Gaia sobreviva; ver também “Pecado original”e “Apocalipse”.

Este é o paradoxo principal: como fazer a crítica tão necessária sem se deixar afundar na pura amargura e na chatice insuportável e depressiva. Quem achar a solução, me avise!

Abraços calorosos a todos,

Freeman

PS: Alguém precisa escrever com urgência os livros “Fazendo a Contracultura do Futebol”, o “Homem (no campo) Bidimensional” e “Ciência e Técnica do Futebol como Ideologia”.
Ok, vocês acham que eu exagero nesse negócio de futura onda obscurantista... Tá certo, vou maneirar com isso daqui para a frente. Mas lembrem-se, eu participo de círculos de discussão que vocês não participam, leio aquilo que vocês não lêem, e avalio um movimento social pela sua derivada temporal, capacidade de crescimento exponencial, potencial epidêmico, não pelo seu estado atual. Vocês se comportam como os meus aturdidos amigos da Teologia da Libertação quando eu os avisei em 1982 que o Movimento Carismático e os Evangélicos Pentecostais iriam varrê-los do mapa.

Mas se a tal onda vier, lembrem-se: “I told you, damned fools!”

Comentários

Dedalus disse…
Caro Osame,

Mas mesmo as críticas mais radicais têm lá sua possibilidade de serem verdadeiras: embora o amor romântico não tenha sido inventado por Hollywood (ele já existia antes em livros e canções), ele serve mesmo como ópio do povo (especialmente das mulheres), sendo bastante aproveitado no capitalismo para exploração sexual e econômica, e é óbvio que está ligado a crimes passionais (não todos). Um exercício desse tipo pode ser feito com o resto da sua lista toda, e seria interessante que as pessoas fizessem exercícios desse tipo sempre.

Um abraço!

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