Reinaldo José Lopes assume a editoria de Ciência da Folha
Concordo 100% com a avaliação do Cláudio Angelo (em vermelho)
A ciência não sabe de nada
Em junho de 2000, a equipe da revista Superinteressante assistia estarrecida à apresentação de seu novo diretor: um publicitário de 28 anos cujo lema ao assumir a maior revista de divulgação científica do país era "a ciência não sabe de nada". Na saída da reunião, telefonei para Marcelo Leite aceitando o convite, que ele fizera uns dias antes, para assumir uma vaga de repórter na editoria de Ciência da Folha, que ele criara poucos meses antes.
Perdi dinheiro e uma série de mordomias que tinha como editor na Abril. Mas eu não poderia trabalhar num lugar cujo princípio editorial fosse "a ciência não sabe de nada", e vim para a Folha. Foi a mais importante -- e acertada -- decisão profissional da minha vida.
Dez anos depois, deixo a Folha Ciência para mais uma vez assumir uma vaga de repórter. Em agosto, começo a trabalhar na sucursal de Brasília da Folha. Mais uma vez, vou perder dinheiro e mordomias. Não é uma mudança coagida como foi a última, mas é mais radical: estou mudando de cidade e, de certa forma, de área de atuação.
Olhando em retrospecto, preciso reconhecer que o pobre diabo que gerenciou a Super durante alguns anos ensandecidos estava certo em sua simploriedade: a ciência não sabe mesmo de nada. E que bom que é assim. Certezas, como alguém já disse, são ocupação das religiões, da política e de outras formas de obscurantismo institucionalizado. A ciência é melhor em produzir dúvidas e perguntas.
A comediante americana Julia Sweeney, no imortal molólogo "Letting Go of God", diz que ela costumava interpretar as incertezas como um sinal da fraqueza da ciência. Os cientistas não conseguem decidir se café é bom ou ruim para a saúde, se o planeta está esquentando muito ou pouco, se o homem tem 100 mil ou 20 mil genes, se o Sistema Solar tem oito ou nove planetas. À medida que começou a entender realmente o que era a ciência, Sweeney viu que, ao contrário, as dúvidas são um sinal de que o sistema funciona, de que a ciência está sempre aberta a teste, infinitamente maleável a novas evidências. São as dúvidas que fazem o conhecimento (e a humanidade) caminhar.
Nos últimos dez anos, eu estive exposto à dúvida e a seus produtos maravilhosos (ou terríveis) de forma privilegiada. Testemunhei, como repórter ou editor de Ciência, o sequenciamento do genoma humano, a primeira clonagem humana (e seu desmentido), o rebaixamento de Plutão, o debate em torno das células-tronco, a invenção das células iPS, a ascensão e queda do desmatamento, a vergonhosa Cúpula de Johannesburgo, o mico do astronauta brasileiro, a descoberta da "sustentabilidade" e a derrota da diplomacia climática em Copenhague.
Estive cara a cara com gigantes da ciência como Ernst Mayr, Jane Goodall, E. O. Wilson, Lynn Margulis, Norman Borlaug e Noam Chomsky; tive o privilégio duvidoso de dividir um mictório com James Watson e roubar-lhe três minutos de entrevista um dia depois; tive aulas com Eric Lander, Bob Weinberg e Steven Pinker; fiz entrevistas bobas, mas deliciosas, com Bjorn Lomborg (sua primeira a um jornalista brasileiro) e Jacques Benveniste, o único homem a ganhar DOIS prêmios Ig Nobel até hoje. Não satisfeito, eu fiz um Ig Nobel, o primeiro do Brasil, indicando o arqueólogo Astolfo Araújo para o comitê do "prêmio".
Cuidei da melhor forma que pude do jardim da dúvida que herdei do Marcelo Leite em 2004. Sob minha gestão, a editoria ganhou dois Prêmios Folha e um Prêmio Esso -- que tive a honra de dividir com meu antecessor. Criei um blog, do qual me despeço com esta postagem, e que deixo, juntamente com a editoria onde cresci, nas mãos de Reinaldo José Lopes, talvez o melhor repórter de ciência do Brasil hoje.
Agora que rumo para Brasília, front por excelência das certezas, levo-a, a dúvida, principal arma do jornalista de ciência, no bolso interno do paletó. Tendo a achar que ela será útil em combate, quando menos pelo valor de surpresa.
Estou indo agora. Adeus.
Escrito por Claudio Angelo às 00h59
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