Pedreiros com Diploma


Embora se possa fazer Ciência Política, o campo político e as opiniões políticas não podem ser reduzidos à ciência, pois envolvem valores (ou seja, escolhas axiomáticas valorativas). Não é possível, usando a Ciência, mesmo as Ciências Políticas, decidir se é melhor seguir uma política elitista Nietzscheniana ou Democrática Secular ou Anarquista Cristã (Tolstói). Não há ciência que diga se devemos votar no PSDB, no PT ou no DEM.

Sendo assim, é importante que os leitores de blogs científicos (ou blogs de cientistas, que não é a mesma coisa) estejam bem conscientes que as opiniões políticas expressas alí não são cientificas e não possuem mais autoridade apenas porque o autor é um cientista (de renome ou não).

Inclusive, sendo um cientista, o autor deveria fazer posts sem usar retórica, falácias homem de palha ou ad hominen, ou falácias estatísticas tipo "a bolsa-família não funciona porque um taxista do Nordeste me disse isso depois de visitar sua cidadezinha natal".

Não é isso o que acontece, como poder ser verificado em blogs como o SEMCIÊNCIA (este que vos fala) e Ciência Brasil do Marcelo Hermes. Nossas opiniões políticas tendem a ser passionais em vez de racioanais. Em particular, se um blog quer ser polêmico, então ele não pode fazer análises políticas mais isentas e ponderadas (no sentido jornalístico ou científico), pois essa atitude mais objetiva iria contribuir para um consenso político, não para a polêmica política que atrai os leitores e suscita comentários.

Marcelo criou uma lista para divulgar o blog. Eu nunca comentei nela, mas o último post me deixou meio incomodado, daí que respondi na lista (e ele irá colocar o comentário no post dele). Minha resposta não é objetiva, como nehuma opinião política pode ser. Entre os fatores emocionais que a desencadearam estão o fato de que o avô de meus filhos é pedreiro, bem como quatro de seus tios. Não que isso importe, pois todos nós, famílias quatrocentonas e leitores de Veja inclusive, temos ascendentes pedreiros, nem que seja do tempo das Pirâmides...

Um desses cunhados pedreiro passou no vestibular da UNICAMP para Engenharia Civil mas não conseguiu cursar devido ter que trabalhar para sustentar a família. Outro é um dos caras mais inteligentes que conheço: piadista nato, metralha frases irônicas que induzem gargalhadas em uma velocidade incrível (você conhece algum piadista de baixo QI?). Já leu mais de 400 livros (apenas de literatura brasileira), mas nunca irá cursar uma Universidade, pois já tem mais de 30 anos.

Já os filhinhos de papai, com escolas privadas e cursinhos especializados, passam direto na FUVEST, mesmo que tenham baixo QI e sejam drogaditos (o único tipo de música que toca nas festas dos estudantes de medicina aqui na USP é o funk-sertanejo).

A mensagem do Marcelo na lista:

MCT torra 700 milhões com pedreiros etc

Oi pessoal da USP e cientometria,
(quem é PTista vai querer me matar hoje...risos)
Não tenho nada contra pedreiros e eletricistas. Mas o MCT gasta mais com a "inclusão social" dessas pessoas do que com cientistas "top".
Entre 2006 e 2008, o MCT gastou mais de R$ 700 milhões com programas que não são de ciência, tecnologia ou inovação. Comparem com o custo anual dos INCTs (que é dim-dim prometido, pois até agora nem 1 centavo foi pago): R$ 121 milhões para 123 INCTs.
leiam mais abaixo:
Pelo vista, estamos é "top, top, top".
abraços
Marcelo Hermes
Minha resposta na lista:


OK, Marcelo,

Sergio Rezende disse que isso está acontecendo porque o MCT ampliou seu escopo, com um viés educativo: ou seja, um Ministério da Ciência e Tecnologia deve atuar também em educação, e nao apenas o Ministério da Educação.

Talvez isso seja defensável, dado que o MCT gasta milhões no apoio de universitários que em sua maioria serão profissionais liberais (ou seja, "pedreiros com diploma universitário") e não serão nem de longe cientistas nem tecnologistas.

Assim, por coerência, deveriamos criticar ou retirar o apoio (Universidade grátis, bolsas etc) aos filhos da classe média e alta que nao forem se tornar cientistas ou tecnologistas, ou seja, quase todo o mundo universitario!

Faltaria também calcular o custo per capta disso tudo:

O apoio recebido por um estudante de engenharia equivale a quantos pedreiros, encanadores, eletricistas profissionais? A relação custo beneficio compensa ou seria melhor formar os pedreiros e importar engenheiros de Portugal e dos EUA, por exemplo? Alguem já fez essa conta na ponta do lápis?

E também não podemos argumentar em termos de utilidade relativa. Quando acontece um pepino na sua casa, vc chama um engenheiro ou um eletricista / encanador? O mercado para engenheiros está saturado, mas a demanda por pedreiros, encanadores, eletricistas, técnicos de informática etc é altissima.

E quem sabe, dessa massa de técnicos, surjam alguns Faraday (que era encardenador de livros), não seria possível? Bastava um para ganharmos o premio Nobel...

Osame

PS: Não tenho nada contra engenheiros, cursei engenharia civil na EESC-USP antes de me transferir para o IFSC-USP, tenho dois primos engenheiros civis (um participou da gestão Erundina, o outro imagino que vote no DEM) e minha prima e madrinha é arquiteta (deve votar no PSDB).

Comentários

Unknown disse…
OKF
Bacana sua resposta. Alto nivel.

Sabe, meu finado pai foi engraxate (antes de ser bancário). Assim, me sinto "isento" suficiente em falar de qualquer profissão "sem diploma". Meu problema nao é o governo ajudar estas profissões, e sim o uso de verba que deveria ser da CIENCIA para tal.

E depois os R$ 700 milhoes serão contabilizados como gastos do PIB em "ciencia, tecnologia e inovação". Isso é farsa.

So discordo de vc em uma coisa: falar mau do PT é um ato quase cientifico, pois os dados das robalheiras estão todos os dias estampados nos jornais. Temos ai um n > 1.000.000.000 !

abraços
Marcelo Hermes
Osame Kinouchi disse…
Concordo com vc, os R$ 700 milhoes serao contabilizados dessa forma, isso é ruim para a ciencia, embora seja boa para visão pública da ciencia - a esquerda romântica não poderá ficar nos acusando de que os cientistas são intelectuais em torres de marfim que desperdiçam dinheiro fabricando papers (em sua maioria inuteis).

Quanto às estatisticas sobre a robalheira do PT, não tenho estatísticas e nem os dados estatísticos da robalheira no governo do PSDB. Assim, não posso comparar no momento. Mas me lembro que a ciência sofreu muito, sem crescimento do numero de bolsas de pós-graduação e sem correção monetaria de seu valor.
Osame Kinouchi disse…
Me parece que gastos de P&D militares também são contabilizados com verba de ciência. Não deveriamos criticar isso?
João Carlos disse…
Há!... Pisou no meu calo!... Eu entendo que você está apenas "puxando a perna" (para usar um anglicismo nojento), mas o fato é que não dá para realmente discernir, com base em informações tão superficiais, se as verbas serão gastas em "ciência" ou não.

Afinal: o gasto com papel higiênico para um laboratório de pesquisas é "verba empregada em ciência", ou não?

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