Insetos tem livre arbítrio? (II)

Moscas têm sinais de livre arbítrio

Pesquisa revela que comportamento do inseto não é nem aleatório nem determinado.
Trabalho indica que pode existir um componente biológico para a vontade própria.

Marília Juste

Do G1, em São Paulo

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Foto: Reprodução
Durante os testes, as moscas se comportaram como se tivessem vontade própria. (Foto: Reprodução)

A mesma mosca que parece incapaz de deixar de bater a cabeça no vidro da janela pode possuir algo que parece muito humano: livre arbítrio. É o que indica um estudo feito com moscas-de-fruta na Alemanha. O trabalho não afirma que os insetos tomam decisões conscientes, mas rebate uma visão bastante popular na neurociência: a de que o cérebro funciona simplesmente respondendo a estímulos, como um robô mais avançado.

Há uma “lei” semi-séria entre os cientistas que analisam comportamento animal em laboratório, que traduzida livremente significa: “sob circunstâncias experimentais cuidadosamente controladas, um animal vai se comportar como lhe der na telha”. O trabalho alemão, publicado na revista científica “PloS ONE” nesta semana, procura estudar exatamente essa variabilidade.

“Nossos resultados nos permitem perguntar por que o cérebro possui essa propriedade. Por que um animal sempre se comporta de uma maneira um pouco diferente mesmo nas mesmas situações?”, afirmou ao G1 o líder do estudo, Björn Brembs, da Universidade Freie, em Berlim.

A visão defendida por Brembs não é exatamente popular entre os neurocientistas. Para a maioria deles, o cérebro toma uma determinada ação em resposta a um certo estímulo. Isso não significa que o mesmo estímulo sempre resultará na mesma ação, mas que não existiria decisão tomada por mera “vontade”, sem relação com algum estímulo externo -– mesmo em seres humanos.

As diferenças de comportamento observadas em animais respondendo a um mesmo estímulo, principalmente em insetos, são, para grande parte dos pesquisadores, apenas respostas aleatórias, resultado de cérebros complexos.

Não foi o que a equipe de Brembs verificou nas moscas-de-fruta. O grupo prendeu exemplares do inseto com pequenas quantidades de cola, que as impedia de mudar de lugar, mas não de se mexer e bater as asas, em um ambiente completamente branco, sem qualquer estímulo externo.

Se as moscas simplesmente respondessem ao estímulo que recebiam, elas todas se moveriam de maneira mais ou menos parecida –- e monótona. Se sua resposta fosse aleatória, ela lembraria os sons erráticos de um rádio fora de estação. Mas o que os cientistas observaram foram movimentos completamente diferentes, que não podem ser considerados nem determinados, nem aleatórios. “Um comportamento aleatório é fácil de testar matematicamente e as moscas não estão nem perto disso”, afirma Brembs.

A equipe testou diversos modelos matemáticos para tentar prever o comportamento dos insetos. Nenhum deu certo. “Nossos resultados eliminam duas explicações sobre o comportamento das moscas que contrariam a existência de um livre arbítrio: a aleatoriedade e o determinismo”, diz Brembs. “Se a livre vontade existe, ela está entre essas duas possibilidades, em um lugar que ainda não é bem compreendido”, afirma.

Segundo o cientista, se nem as moscas-de-fruta respondem apenas a estímulos, é muito difícil defender que o mesmo aconteceria em seres humanos. Para ele, o cérebro deve possuir algum mecanismo biológico que seja responsável pelo nosso livre arbítrio.

“Como um biólogo, acredito que cada um de nossos pensamentos e emoções se origina no cérebro. Assim sendo, deve existir uma fundação biológica para o que nós chamamos de livre arbítrio”, declara Brembs. “Neste momento, ainda estamos longe de saber qual seria essa fundação”, diz ele.

O pesquisador reconhece que seu trabalho vai de encontro à grande maioria dos neurocientistas. “Nosso estudo não exclui a possibilidade de que a vontade própria pode ser simplesmente uma ilusão. Mas ele é consistente com um cérebro que pode, de fato, ter vontade. A outra explicação não é compatível”, diz ele.

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