Desígnio Inteligente: filosofia e ficção científica


Continuando o debate:

Marco,

Deixa eu estender a discussão através do conto (Demiurgo, ver aqui) que estou submetendo a um concurso de ficção científica. Gostaria que você desse um forward para o Jeferson.

Nele eu mostro que é possível ser ateu e mesmo assim acreditar em desígnio inteligente, bastando ter um pouquinho de imaginação.

Ou seja, o ateísmo não é equivalente à afirmação de que o Universo surgiu por acaso. São duas posições filosóficas distintas. Arthur C. Clark era ateu mas o filme 2001 - Uma Odisséia no Espaço é uma tese de desígnio inteligente, que Clark concebeu como possibilidade lógica compatível com a ciência.

Isaac Asimov, cético e ateu, tem um conto muito famoso no mesmo sentido: "A última pergunta".

Então, o argumento contra o ensino de desígnio inteligente nas escolas não é que ele é religioso per si ou incompatível com a ciência (o conto mostra que não é!).

O argumento deve ser: DI (ou mesmo evolução teísta) não devem ser ensinados nas aulas de ciência porque não são teorias bem fundamentadas mas sim especulação científica (ou seja, idéias que poderiam eventualmente ser compatíveis com a ciência mas cujas evidências a favor são fracas, questionáveis, prematuras ou inexistentes).

Agora, se os defensores da DI ou evolução teísta proporem que as mesmas sejam ensinadas em aulas de filosofia, acho que não tem problema. Afinal, os estudantes aprendem em aulas de filosofia sobre o Ceticismo de Hume, o Solipcismo e o Idealismo de Berkeley, que são bem mais radicais (e não científicos) que a DI...

Abraços, e esperando uma nova rodada de comentários...

Osame

PS: Não adianta dizer que os proponentes do DI tem uma agenda religiosa secreta (ou não tão secreta) . Em termos de análise lógica isso tanto faz e afirmá-lo é cair em uma falácia ad hominen bem conhecida. Popper diz que mesmo se uma teoria for concebida devido a uma viagem de LSD, ela deve ser criticada por seus méritos (ou falta de) e nunca por sua origem.

Comentários

none disse…
Kinouchi,

O problema do DI et similia não é porque são especulações científicas. O problema de tais hipóteses é que, no que se pode testar, já foram amplamente refutadas.

Nesse sentido seria o mesmo que ensinar a teoria do flogisto ou dos quatro humores como tendo alguma validade atual. Pode-se, quando muito, citá-las para uma contextualização histórica.

[]s,

Roberto Takata
Osame Kinouchi disse…
Roberto, você leu o conto? Nele eu dei uma versão da DI que não foi refutada.
Para refutá-la, você teria que mostrar que:

1. As leis da física proibem a criação de universos bebês por civilizações avançadas.
2. Se for possivel a criação de universos-bebes, então seria necessário argumentar que não existem civilizacoes avançadas de longa duração em qualquer lugar do Universo.

Mesmo se para cada universo natural fossem produzidos apenas dois universos artificiais, em poucas gerações de universos o conjunto dos mesmos seria dominado pelos universos naturais.

Então, a frase "todas as versões do DI já foram refutadas" não é verdadeira.

Acho que o argumento continua a ser: DI é ficção cientifica, ou talvez especulação científica (no sentido de ser em princípio compatível com a ciência) mas não possui evidencias empiricas a facor suficientes para permitir sua inclusao no curriculo, mesmo no sentido de "interpretação alternativa".
Osame Kinouchi disse…
Digo, "o conjunto dos mesmos seria dominado pelos universos artificais"
Marco Idiart disse…
Osame
Seria bom cuidar da nomenclatura. DI é uma coisa bem definida. Não é o mesmo que achar que uma civilização avançada poderia interferir num ecossistema. Um ateu responderá que a vida surgiu espontaneamente em algum lugar, mas em outros lugares pode ter sido induzida.
É diferente de achar que a vida precisa da divindade da biblia.
none disse…
Como Idiart ressalta, o DI não tem a ver com "sintonia fina" do universo. Tem a ver com "projeto dos organismos terráqueos predecessores e atualmente existentes (salvo os que foram modificados intencionalmente pelos humanos)".

É fácil ver que há inúmeros problemas de "projeto" nos organismos - apropo, Reinaldo Lopes fez um artigo interessante sober o olho: http://colunas.g1.com.br/visoesdavida/2009/06/13/um-orgao-de-altissima-imperfeicao/. Não que isso afaste um "designer", mas afasta o "inteligente".

A sua versão de "sintonia fina" tem o problema da testabilidade: universos-bebês são, tanto quanto sabemos, causalmente desconexos do nosso uma vez semeados - não podemos retirar informações dele para saber o que ocorre ou se ocorreu alguma coisa. Além de não contar com um "design" propriamente dito: não há mecanismo conhecido que permita um "arranjo" intencional das leis de um eventual universo-bebê. Tampouco seria possível uma "seleção artificial" - novamente pela desconexão causal ("maldita singularidade!").

[]s,

Roberto Takata
Anônimo disse…
Projeto Leibniz !? Boa...

Ficou-me a pergunta se o Demiurgo é necessariamente livre e não-contraditório. Acho que é um pouco na base disso que os crentes resolvem a questão da morte. Veja que bela saída quando a morte se torna um bem, um alívio, uma salvação.

Renato.
William Fontana disse…
Trecho de Unua Libro, livro que escrevo: "O ateismo que se diz acreditar em desígno inteligente da pressuposição de que o próprio universo não surgiu por acaso tem um pé fora do próprio eixo, especialmente mediante aos falsos desígnos de hoje que de inteligente não tem nada. A suposição plena da crença na Teoria da Evolução parte de conceitos seletivos por leis inteligentes, não desígnos, se contradizendo assim, pois o acaso neste caso não se pode se considerar lei assim não fazendo parte desta Teoria evolucionista que isso propõe. Claro, que neste debate, independe a condição de crença teista ou não-teista quando o tocante é livre-arbitrio VS predeterminismo e determinismo. Conforme debatido em 'Ecce Libro' o determismo pior que o fatalismo é algo que não somente subtraí plenamente nossa liberdade submetendo-nos a uma mera ilusão perceptiva - ou nem tanto - desta diamentralmente contra o conceito de livre-arbitrio. Seria como se jogar um jogo cujo independente de como se jogue o resultado sempre será o mesmo. Essa teoria é essencialmente manequeísta por óbvias limitações delimitativas, e em todos os niveis falha patéticamente mediante a inúmeros outros exemplos soando mais como um elemento de imposição dos mais poderosos aos oprimidos, o que leva novamente ao ideal - mesmo que torcido - de Deus. Por fim, por não ser uma lei, nem comprovado pela ciência, mas especulação está mais para filosofia como se propõe mesmo que para alguns crenças pelo que se impõe. Logo se uma pessoa se diz ateu e ao mesmo tempo acreditar neste crença diria que seus ideais no mínimo são mal resolvidos, mais um buraco filosófico."
William Fontana disse…
Estou livre a debater sem qualquer preconceito, mediante que não sou totaliarista intelectual. Sobretudo gosto de muitos argumentos e alguns ateus, assim como o seu é bom, espero que lhe sirva ao menos de antitese.
Osame Kinouchi disse…
Renato,

No conto exploro várias possibilidades, desde um demiurgo finito e limitado engenheiro de universos até a criação não intencional de um universo por um acidente de percurso tecnológico.

Todas essas possibilidades não são nem teístas tradicionais nem ateístas tradicionais (pois existe um "criador", mesmo não intencional, do universo, e as propriedades do mesmo não são puro fruto de acidente).

Acho que essas possibilidades lógicas devem ser colocadas dentro do mapa filosófico do debate ciência-religião. Não existem apenas duas posições, mas muitas. No caso do conto, aparece um ateísmo criacionista ou um teísmo com um Deus finito não-aristotélico. Na verdade, me parece que as classes de ateísmo ou teísmo não são suficientes para abarcar adequadamente essas possibilidades.


Peregrino,

O meu conto de contra exemplo visava mostrar que no debate ateismo-teismo existem mais posicoes do que apenas essa dualidade, por exemplo os universos artificiais considerados pela ficção científica.

Não acredito que Isaac Asimov, Arthur C. Clark ou Stanislaw Lem eram filosoficamente mal resolvidos. Talvez os outros, polarizadores, é que sejam filosoficamente limitados...

Como se chama o seu livro?
Anônimo disse…
Esse negócio de "espaço-conceitual" ou mapa filosófico com todas as variantes lógicas é interessante. Inclusive, uma dimensão que pouco se estuda é o anti-clericanismo. Por exemplo, me parece que Voltaire não gostava mesmo é de padres, mas acho difícil que ele não percebesse a importância da questão sobre Deus.
Eu me defino como anti-clerical: tenhor horror a sacerdotes, inclusive os formados em universidades.

By the way, Leibniz e Spinoza se preocupavam também com a dimensão existencial. O tal do "melhor dos mundos possíveis" é no fundo uma resposta ao problema do mal. Acho que seu conto ficou bastante bom ao incluir isso.

Renato.
Osame Kinouchi disse…
Existe um livro de Voltaire, o Ateu e o Sábio, onde a posição do filósofo fica clara.
William Fontana disse…
Agradecido por Responder, não havia visto anteiormente. Tenho um livro que debato diversas questões filosóficas inclusive sobre Deus. Ao meu ver pela sua posição você deve ser ateísta e até que gostaria de saber sua visão sobre o tema. Porém o livro ainda não fora publicado, mas caso queira trocar algumas idéias escreva para gersonma7@yahoo.com.br que cordialmente lhe responderei. Seu conto está disponivel na internet? Aguardo resposta por e-mail.

Postagens mais visitadas deste blog

O SEMCIÊNCIA mudou de casa

Aborto: um passo por vez

Wormholes