Do G1:
Air France: raio é hipótese mais provável para desaparecimento de avião
PARIS, França, 1 Jun 2009 (AFP) - O Airbus A330 da Air France, que desapareceu nesta segunda-feira em uma viagem entre Rio de Janeiro e Paris, teria sido atingido por um raio, segundo a hipótese mais provável, afirmou François Brousse, diretor de comunicação da companhia aérea francesa.
"Provavelmente se trata de uma catástrofe aérea. Toda a companhia pensa nos familiares, com os quais divide a dor", declarou o diretor-geral da Air France, Pierre-Henri Gourgeon, em uma entrevista coletiva no aeroporto parisiense de Roissy - Charles de Gaulle , onde o avião deveria ter pousado.
"O mais provável é que o avião tenha sido atingido por um raio", declarou Brousse à imprensa. "O avião entrou em uma zona de tempestade com fortes turbulências, que provocaram falhas", acrescentou.
O ministro francês de Ecologia e Energia, Jean Louis Borloo, declarou à AFP que haviam fortes tempestades tropicais na região. "São aeronaves habilitadas para este tipo de circunstâncias, mas deve ter sido um acúmulo de eventos".
Hoje eu ia escrever sobre coincidências estatísticas, mas deixarei para o próximo. Vou refletir agora sobre o acidente desta madrugada, porque eu o escutei na CBN de manhã e isso me comoveu: senti um pouco da dor e angústia dos familiares, que certamente a partir de agora estarão se perguntando: "Por quê?"
Se você acredita em Karma, vai responder que morrer desse jeito era o Karma dessas pessoas. Uma conspiração espiritual teria ajuntado todas elas no mesmo vôo, etc e tal. Afinal, "coincidências não existem" e "tudo tem uma causa". O velho determinismo cartesiano francês que contaminou o espiritualismo racionalista de origem francesa: basicamente você coloca a culpa nas vítimas.
Se você é religioso mas não acredita em Karma, dirá que o mal e o sofrimento realmente existem, não são justificáveis, não são em princípio a "vontade de Deus", mas derivam de um "mistério": do ponto de vista dos seres vivos, o universo é imperfeito por permitir o sofrimento. Talvez você coloque a culpa não nas vítimas, mas em algum tipo de antagonista de Deus. Alternativamente, o seu Deus poderia não ser capaz de realizar coisas impossíveis (como diria Santo Agostinho) e não consegue otimizar o universo porque isso é um
problema NP-completo.
Se você não é religioso, a explicação é o acaso: não existe "por quê", apenas "como". O raio atingiu o avião, que infelizmente não resistiu. Talvez atravessar aquelas nuvens de tempestade fosse algo temerário, talvez não. Se existem uma multiplicidade de fatores ("causas"), então nenhuma sozinha foi responsável pela tragédia.
Eu gostaria de dar uma idéia aqui de que esse "acaso", esse "acidente", tem dimensões cósmicas. Vejamos:
Uma das teorias sobre o processo de iniciação dos raios (que parece bastante plausível) é a do
Runaway Breakdown. Basicamente ela diz que a avalanche elétrica que são os raios é iniciada por elétrons relativísticos produzidos por raios cósmicos de alta energia. Um complemento diz que tais raios cósmicos se originam em buracos negros supermassivos no centro de galáxias a milhões de anos-luz daqui.
Você consegue imaginar isso? Milhões de anos atrás um próton é acelerado em um buraco negro massivo, viaja esse tempo todo sem se chocar com nenhuma molécula, chega até nossa atmosfera, se choca produzindo um chuveiro de partículas (inclusive os elétrons relativísticos) que nucleiam o canal inicial de plasma ("lider") que dará início ao raio (o processo todo é descrito
aqui).
Bastaria uma pequeníssima diferença no campo magnético no buraco negro (ou no espaço intergalático) para fazer o tal próton se desviar da Terra. Como a criação de partículas é probabilista (em termos quânticos), o choque com a molécula de ar ou a criação do elétron responsável pela nucleação do raio também é totalmente aleatória. E mesmo que ele criasse o tal raio, bastaria um milissegundo de atraso do avião para que o mesmo não fosse atingido.
Você percebe agora que a simples palavra "acaso" envolve zilhões de pequenos eventos, com uma origem a milhões de anos-luz daqui, a maior parte deles não determinada (e quanticamente sem "causa")? Estar ciente dessa dimensão cósmica do acidente não consola os familiares das vítimas, mas pode evitar que coloquemos a culpa nas próprias vítimas...
Comentários
[]s,
Roberto Takata
Bom... Pode não ser exatamente um raio, mas qualquer campo EM violento dentro das nuvens. Só que eu acho muito mais provável a ocorrência de algo bem mais mecânico: Zonas de Baixa Pressão, principalmente.
Puxando a sardinha para o lado dos místicos: uma "administração" que tenha que cuidar de algo do tamanho do universo, necessariamente terá a capacidade de detalhamento para criar essas "coincidências" (e, é claro, eu vou me esquivar dos "considerandos" sobre o tamanho que tal administração teria que ter...)
http://www.usatoday.com/weather/resources/askjack/2003-05-06-lightning-airplanes_x.htm
Joao, o que eu quis dizer é que a tarefa de cuidar de todos os detalhes do universo é uma tarefa impossivel por ser NP-completa. E mesmo um Deus onipotente nao pode fazer coisas impossiveis (tipo mover uma pedra irremovivel ou fazer a quadratura do circulo).
Eu acho que o conceito de Deus vem de um processo de personalizacao do acaso (no mesmo sentido que personalizamos o Mercado, dizendo que o mercado está agitado ou nervoso, o mercado prove nossas necessidades ou o mercado exige sacrificios).
Como o acaso nao é necessariamente benigno (embora sem o acaso nao teriamos nem Big Bang, nem surgimento da vida, nem evolucao nem surgimento de mentes capazes de atos voluntarios e aparente livre-arbitrio), teriamos um lado obscuro, destruidor, do Deus Acaso. Portanto, admnistrar nao é uma boa palavra para usar aqui.
Eu sugeriria a palavra (tambem metaforica) "reger", no sentido de: o Acaso rege cada detalhe de nossas vidas (porque os eventos quanticos estao presentes em cada detalhe e ponto de bifurcacao). A frase "Deus rege cada detalhe de nossas vidas" seria sinonima, se este Deus nao for nem onipotente nem pessoal.
Uma coisa curiosa é que o Acaso é transcendente: em todo o Multiverso, as leis da fisica diferem uns dos outros, mas as leis do Acaso (e a teoria de probabilidades) permanecem as mesmas. Por outro lado, para os Bayesianos, o conceito de probabilidade (e acaso) nao fica definido se nao existirem observadores. Entao aqui eu encontro uma parede conceitual, pois isso lembra aquelas ideias de que observadores sao essenciais para definir a realidade do universo, e eu detesto essa ideia... eu acho que as galaxias primordiais que vemos pelo Hubble existiam antes de qualquer observador ter evoluido no Universo).