Guerreiros altruístas



da Folha de S.Paulo


A guerra na Pré-História era frequente e altamente letal, mas essa luta constante está ligada ao surgimento de comportamentos altruístas na espécie humana. E quando os grupos humanos atingiram determinado tamanho, criava-se o potencial para uma revolução no comportamento e na cultura.
É o que indicam dois estudos publicados na edição de hoje da revista científica "Science".
José Manuel Ribeiro/Reuters
Figura de 10 mil anos com cavalos copulando é uma das primeiras que dão a ideia de movimento, afirmam pesquisadores em artigos
Samuel Bowles, do Instituto Santa Fé (EUA) e da Universidade de Siena (Itália), usou dados arqueológicos e etnográficos sobre populações de caçadores-coletores e mostrou que a mortalidade produzida pelos conflitos poderia ter promovido a predisposição para ajudar membros de grupos não diretamente aparentados.
O guerreiro "altruísta" é aquele que está disposto a sacrificar a vida em prol da sobrevivência do grupo.Mas quão precisas são as estimativas de populações pré-históricas, ou da mortalidade das guerras mais remotas?
"É surpreendente --e um pouco reconfortante-- que os conjuntos de dados etnográficos e arqueológicos resultem em quase a mesma estimativa -14% de mortalidade", disse Bowles à Folha.
Revoluções
Já os pesquisadores Adam Powell; Stephen Shennan e Mark Thomas, do University College, de Londres, afirmam que o tamanho das populações explicaria o motivo de comportamentos socioculturais modernos terem surgido na África há 90 mil anos, desaparecido há 65 mil anos e ressurgido na Europa 45 mil anos atrás.
"Por comportamento moderno, nós queremos dizer um salto radical em complexidade cultural e tecnológica, que torna nossa espécie única. Isso inclui comportamento simbólico, como arte abstrata e realista, decoração corporal usando contas, ocre ou kits de tatuagem; instrumentos musicais, artefatos de osso, chifre e marfim; lâminas de pedra e tecnologia de caça mais sofisticada, como arcos, bumerangues e redes", afirma Powell.
Em geral, os pesquisadores especulavam que essa revolução cultural tivesse surgido por conta do aumento do cérebro humano. Mas os autores lembram que esse comportamento só surgiu cerca de 100 mil anos depois de ter aparecido o ser humano anatomicamente moderno, e que em alguns casos as inovações foram perdidas.
Eles argumentam com cálculos sobre o tamanho das antigas populações, que mostram que só quando elas atingem uma determinada massa crítica é que as inovações podem surgir e ser transmitidas.
Ruth Mace, também do University College, de Londres, discutiu as duas pesquisas em artigo também na edição de hoje da "Science". "Os dois estudos sugerem que a estrutura demográfica das nossas populações ancestrais determinava como a evolução social procederia", diz Mace.
Ela lembra que os biólogos tendem a achar que a seleção natural darwiniana, o motor da evolução, age principalmente em indivíduos e em genes. Mas novos estudos têm procurado mostrar que a seleção também age no grupo social.
"Definir altruísmo também é sempre problemático. Aqui ele é definido como um comportamento que ajuda o grupo, mas que pode ser custoso ao indivíduo", disse Mace à Folha.
Bowles diz que procurou usar dados apenas sobre populações de caçadores-coletores que não faziam grande uso de animais ou plantas domesticados, pois ele queria manter o foco sobre as condições que existiam há 100 mil anos, e não há 10 mil, quando a agricultura e a pecuária já existiam. Ficaram de fora, assim, dados sobre a guerra entre os índios Yanomami da fronteira Brasil-Venezuela, "o povo feroz".
"O outro artigo é consistente com o meu trabalho. Mas a questão é muito diferente. Uma população mais densa não apenas cria oportunidades para troca, mas também para conflitos", comenta Bowles.

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