Secularmente Correto
Foto: Buda Amithaba, com vestes e cabelos ocidentais. As primeiras estátuas de Buda foram feitas apenas no século II E.C. por escultores gregos em reinos orientais helenizados.
Um novo blog de Ceticismo e Filosofia Neo-Ateísta está no ar: o Coletivo Ácido Cético.
Marco Idiart e Jeferson Arenzon são meus amigos e não vou querer discutir com eles. Compartilho 100% a preocupação do blog sobre a infiltração de religiões pseudocientíficas na universidade. O problema primário não são as religiões, é claro, mas sim aquelas que se dizem científicas, pois aí o choque com a ciência é frontal.
Entretanto me preocupa também o surgimento de uma espécie de radicalismo ou puritanismo secularista, similar ao movimento de linguagem politicamente correta. Como vocês sabem, este blog não é politicamente correto, é pós-politicamente correto, e não é positivista, mas pós-positivista (ou seja, pós-pós-moderno).
Acho que meus amigos novo-ateístas deveriam ler um pouco mais de antropologia da religião, sociologia da religião , psicologia da religião e história das religiões, com o objetivo de fazerem críticas mais científica e historicamente corretas. Nem que seja no nível Wikipédia. Não deveríamos ter um novo-ateísmo que seja inferior ao Hegelianismo de esquerda do século XIX. Bom, é só um conselho, mas se conselho fosse bom...
Do blog Coletivo Ácido Cético:
...religiosos, que fique bem claro. Nosso país têm 74% de católicos (a maior população de católicos do mundo) embora nem todos praticantes. Para piorar, nem todos seguem uma única religião. Há, por exemplo, os católicos-espíritas, os judeus-espíritas, apesar de todas as contradições. Mesmo assim, temos um grande número de feriados nacionais religiosos. E todos eles correspondem a uma única religião, o catolicismo. Não seria mais justo então ter 1/4 dos feriados religiosos distribuídos entre as outras religiões? Yom Kippur? Feriado nacional. Nascimento de Allan Kardec? Feriado nacional. E assim por diante.
Ou, num estado realmente laico, não ter nenhum feriado religioso? Poderíamos trocar todos esses feriados por outros, sem fazer referência a motivos religiosos. Por exemplo, o Natal poderia voltar às origens e ser o Dia do Solstício. A sexta-feira santa poderia se tornar um dia de reflexão e homenagem a todas as pessoas que morrem em acidentes de trânsito (não é irônico, e triste, que morram mais pessoas em acidentes num feriado religioso do que num dia normal?). Essa troca dos feriados religiosos por feriados laicos (ou sua simples extinção) evitaria algumas polêmicas envolvendo o sensato e informado bispo de Porto Alegre e os comerciantes locais, pelo menos.
Meu comentário no blog:
Osame Kinouchi disse...
Me parece que cada municipio pode escolher 5 dias por ano para serem feriado municipal, alem dos estaduais ou federais.Tentem emplacar o dia de Darwin como feriado (ou o dia de Pi). Aposto várias cervejas que isso nao passa na camara de vereadores.
Assim, se nem no nivel municipal é possivel mudança, me parece combater moinhos de vento tentar no nivel federal.
Agora, se é pra secularizar, então sejamos radicais (como os iluministas da revolução francesa).
1. Domingo é o dia do Senhor (Dominus). Deveriamos mudar o nome do dia para Primeira-feira e cancelar o dia de descanso (que tal transferir para segunda feira?)Ah, sim, o nome dos dias da semana em Ingles e nas linguas latinas fora o português também deveriam ser modificados, por se referirem a deuses romanos.
2. O dia do solstício é 21 de Dezembro, e não é um feriado científico mas sim religioso (no paganismo romano e no atual movimento New Age).
3. Os nomes dos meses Janeiro (deus Janus), Fevereiro (de Februus, deus da morte etrusco), Março (deus Marte), Abril (deus Aprus = etrusco para Venus), Junho (deusa Juno). E dado que Julho (Júlio Cesar) e Agosto (César Augustus) foram nomeados em função de esses dois imperadores serem considerados deuses, com direito a templos, sacrifícios etc, acho que a homenagem deveria ser retirada também.
4. Talvez fosse bom mudar todos os nomes astronômicos (constelações, planetas, satélites) de deuses greco-romanos também. Eu proponho que chamem Júpiter de planeta Kinouchi...
Deveriamos sugerir este programa de ação para o Dawkins?
Engraçado, foi a Inquisição Portuguesa que secularizou os nomes dos dias da semana... Cuidado para não inventarem outras inquisições... Pessoal, sou simpático à causa de vocês, mas talvez fosse melhor eleger uma lista de prioridades. Acho que combater a infiltração da pseudociência dentro das universidades é uma tarefa Hercúlea, já está de bom tamanho.
Ops, acho que não fui secularmente correto, usei a palavra Hercúleo... :´)
oOo
Complementando, existe um artigo interessante de Reinaldo Lopes do Visões da Vida no G1 argumentando que Jesus era considerado "senhor" e "deus" (ou "filho de deus") por seus primeiros seguidores no mesmo sentido que Júlio César ou Augusto eram senhores e deuses. Isso servia como contestação política ao definir quem deveria ser a autoridade suprema.
A mudança do conceito de Jesus como deus (minúsculo) para o Deus infinito Aristotélico (maiúsculo) parece só ter ocorrido séculos depois, em um processo de deificação similar ao que ocorreu ao Buda Amitabha, conhecido como o Buda da Luz, do Caminho e da Vida. Outra coisa curiosa é que este tipo de budismo surge na mesma época do cristianismo (século II), em uma região de cultura helenizada conectada com o império romano através da rota da seda, pregando uma doutrina de "salvação pela graça" do Buda de Luz:
In the versions of the sutra widely known in China, Vietnam, Korea and Japan, Dharmakāra's eighteenth vow was that any being in any universe desiring to be born into Amitābha's Pure Land and calling upon his name even as few as ten times will be guaranteed rebirth there. His nineteenth vow promises that he, together with his bodhisattvas and other blessed Buddhists, will appear before those who call upon him at the moment of death. This openness and acceptance of all kinds of people has made the Pure Land belief one of the major influences in Mahāyāna Buddhism. Pure Land Buddhism seems to have first become popular in northwest India/Pakistan and Afghanistan, from where it spread to Central Asia and China.
Fico pensando se isto não corresponderia a um movimento coletivo comum que atingiu de Roma até a Índia, refletindo necessidades sócio-históricas ligadas à uma contestação da sociedade de castas. Lembremos que Roma, na época, também é quase uma sociedade de castas.
Uma curiosidade histórica é que os cristãos eram chamados de "ateus" por não aceitarem os deuses romanos nem os imperadores-deuses. Aparentemente foram os primeiros "ateus" a serem perseguidos politicamente.
Comentários
Então, tende a ser menos difícil tratar as questões institucionalmente em nível federal do que em nível municipal. E eu sei muito bem - por experiência própria - o auê que uma simples crítica pontual no orkut causa dentro da política municipal, enquanto que dificilmente um deputado federal ficaria transtornado com isso.
[]s,
Roberto Takata
Não consegui ler mais do que diagonalmente o teu comentário sobre o post do Jef sobre feriados.
Mas li a tua recomendação de leitura e fiquei preocupado. Eu que nem tenho tempo para ler minha carteira de motorista para saber quem eu sou, agora vou ter que fazer uma nova pós-graduação para me manifestar contra a física quântica do espírito?
Acho entendes mau o Ácido. Somos um grupo grande, cheio de desavenças internas de ideologia, e de humor. Somos contraditórios e certamente sabemos pouco de filosofia, antropologia e psicologia. So estamos aqui neste cantinho do universo blogistico para fazer comentários meio amalucados, às vezes polêmicos, às vezes errados, mas com a esperança que depois de muito debate o resultado seja marginalmente racional e inteligente.
E falando de mim, eu desconfio muito dos rótulos das ciências humanas, com seus pós's e new's que tu pareces ter maestria em usar. Eu não gostei de ser chamado de "new-ateu". Como tu, eu sou físico, e estou mais acustumado com números reais. Eu me considero mais um vetor, assim:
marco = new-ateu*0.001 + old-ateu*0.35 + ateu-a-espera-de-uma-prova-realmente-inteligente-do-mundo-espiritual-porque-eu-também-quero-vida-eterna*0.75 + vegetariano-nao-crente*0.99 + gremista*1.0 .
Obs, não está normalizado.
Abração, Marco
Eu concordo com você! Nós, como físicos, podemos criticar o abuso da mecanica quantica, principio antropico, etc, nas tentativas de fundamentar algum espiritualismo.
O problema, porém, é ter dois criterios de rigor na analise sociológica da religiao. Criticamos as pessoas por usarem a fisica quantica sem rigor, mas desprezamos o trabalho dos cientistas sociais no estudo do fenomeno religioso e emitimos opiniões de catedra como se nossa autoridade em fisica se estendesse para essas areas nas quais normalmente estamos desinformados (em termos de historia, sociologia, etc).
Lembra a frase do Feynman? Quando um especialista dá uma opiniao sobre algo fora da sua especialidade, sua opiniao nao vale muito mais do que a do zezinho da esquina.
Eu nao estou dizendo que nao podemos dar opiniao sobre religiao ou politica (se fosse assim, a democracia seria impossivel, teriamos apenas uma tecnocracia). Mas o valor de nossas analises será sempre proporcional ao nosso conhecimento sobre o assunto que estamos discutindo.
Por exemplo, eu poderia fazer um artigo de critica sobre o futebol, e o Gremio em particular. Eu já te aviso que o valor desse artigo seria próximo de zero.
Dado que ocorrem muito mais mortes violentas no Brasil devido aos fanáticos das torcidas do que os fanaticos religiosos, eu proponho que o futebol seja eliminado do Brasil para o bem estar e progresso de nossa civilização...
Na questão da religiao, eu sugiro aos meus amigos ler o livrinho "O que é Religião" da coleção Primeiros Passos. OK, eu sei que é sacanagem fazer isso, mas o mais chocante é que muitos deles nem se dão ao luxo de ter um conhecimento nesse nivel. E depois criticamos os religiosos por nao entenderem nada de ciencia. Dois pesos, duas medidas, como naquela charge do Coletivo Acido...
O que eu propus é uma lista de prioridades quando defendemos uma sociedade laica: defender o ensino laico e a universidade laica é mais importante e mais urgente do que eliminar os feriados como o Natal (inclusive porque no post seguinte eu mostrei que o Natal é uma festa do paganismo romano e sua comemoração foi durante muito tempo condenada pelos protestantes e evangelicos puritanos - que são dois tipos bem distintos de pessoas, por sinal). Não vale a pena cair no mesmo tipo de radicalismo puritano.
Finalmente, eu não gosto muito dessas generalizacoes apressadas tipo "A religião é a raiz de todos os males".
Eu mesmo já renunciei à frase "O capitalismo é a raiz de todos os males".
Acho perigoso esse enfrentamento ideologico sem preparo adequado porque a ciencia tem um certo telhado de vidro.
Teodore Roszak, Marcuse, etc diriam que é a ciência e a tecnologia que são a raiz de todos os males, por criarem ferramentas de opressão economica, armamentismo, etc. Então, é bom se preparar bem para defender o nosso telhado de vidro numa guerra cultural ciencia-religião...
Muuuuiiito grande este teu e-mail. Tu definitivamente estás com todo o cacoete de ciências humanas.
Vou fazer 1 linha para cada paragrafo.
1) ok.
2) Acho que o acido não se propõe a uma análise sociológica da religião.
3) Prefiro saber diretamente de Feynman o que ele quis dizer com a frase.
4-7) Podemos sim fazer análises de aspectos do problema, como fazemos quando publicamos artigos de neurociência sem conhecer a fundo a neurofisiologia do sistema.
8) Concordo.
9) Concordo.
10) Concordo.
Conclusão. Concordamos em parte. Mas gostaria de voltar ao cacoete de ciências humanas. Tu em 3 mensagens fizeste várias citações, recomendaste bibliografia e categorizaste ideias em esteretótipos ( new-ateu, ect... (. Isto faz a discussão improdutiva e desfocada. É melhor fazer a exposição nua das idéias e debate-las assim, mesmo se algum autor já tenha discutido ela. Aprende-se mais do erro do que da confusão. Se tu me deres uma boa idéia vai ser mais útil do que bibliografia.
Abração