Secularmente Correto


Foto: Buda Amithaba, com vestes e cabelos ocidentais. As primeiras estátuas de Buda foram feitas apenas no século II E.C. por escultores gregos em reinos orientais helenizados.


Um novo blog de Ceticismo e Filosofia Neo-Ateísta está no ar: o Coletivo Ácido Cético.


Marco Idiart e Jeferson Arenzon são meus amigos e não vou querer discutir com eles. Compartilho 100% a preocupação do blog sobre a infiltração de religiões pseudocientíficas na universidade. O problema primário não são as religiões, é claro, mas sim aquelas que se dizem científicas, pois aí o choque com a ciência é frontal.


Entretanto me preocupa também o surgimento de uma espécie de radicalismo ou puritanismo secularista, similar ao movimento de linguagem politicamente correta. Como vocês sabem, este blog não é politicamente correto, é pós-politicamente correto, e não é positivista, mas pós-positivista (ou seja, pós-pós-moderno).


Acho que meus amigos novo-ateístas deveriam ler um pouco mais de antropologia da religião, sociologia da religião , psicologia da religião e história das religiões, com o objetivo de fazerem críticas mais científica e historicamente corretas. Nem que seja no nível Wikipédia. Não deveríamos ter um novo-ateísmo que seja inferior ao Hegelianismo de esquerda do século XIX. Bom, é só um conselho, mas se conselho fosse bom...




Sexta-feira, 5 de Junho de 2009

Pelo fim dos feriados...


...religiosos, que fique bem claro. Nosso país têm
74% de católicos (a maior população de católicos do mundo) embora nem todos praticantes. Para piorar, nem todos seguem uma única religião. Há, por exemplo, os católicos-espíritas, os judeus-espíritas, apesar de todas as contradições. Mesmo assim, temos um grande número de feriados nacionais religiosos. E todos eles correspondem a uma única religião, o catolicismo. Não seria mais justo então ter 1/4 dos feriados religiosos distribuídos entre as outras religiões? Yom Kippur? Feriado nacional. Nascimento de Allan Kardec? Feriado nacional. E assim por diante.


Ou, num estado realmente laico, não ter nenhum feriado religioso? Poderíamos trocar todos esses feriados por outros, sem fazer referência a motivos religiosos. Por exemplo, o Natal poderia voltar às origens e ser o Dia do Solstício. A sexta-feira santa poderia se tornar um dia de reflexão e homenagem a todas as pessoas que morrem em acidentes de trânsito (não é irônico, e triste, que morram mais pessoas em acidentes num feriado religioso do que num dia normal?). Essa troca dos feriados religiosos por feriados laicos (ou sua simples extinção) evitaria algumas polêmicas envolvendo o sensato e informado bispo de Porto Alegre e os comerciantes locais, pelo menos.

Meu comentário no blog:


Osame Kinouchi disse...


Me parece que cada municipio pode escolher 5 dias por ano para serem feriado municipal, alem dos estaduais ou federais.Tentem emplacar o dia de Darwin como feriado (ou o dia de Pi). Aposto várias cervejas que isso nao passa na camara de vereadores.


Assim, se nem no nivel municipal é possivel mudança, me parece combater moinhos de vento tentar no nivel federal.


Agora, se é pra secularizar, então sejamos radicais (como os iluministas da revolução francesa).


1. Domingo é o dia do Senhor (Dominus). Deveriamos mudar o nome do dia para Primeira-feira e cancelar o dia de descanso (que tal transferir para segunda feira?)Ah, sim, o nome dos dias da semana em Ingles e nas linguas latinas fora o português também deveriam ser modificados, por se referirem a deuses romanos.


2. O dia do solstício é 21 de Dezembro, e não é um feriado científico mas sim religioso (no paganismo romano e no atual movimento New Age).


3. Os nomes dos meses Janeiro (deus Janus), Fevereiro (de Februus, deus da morte etrusco), Março (deus Marte), Abril (deus Aprus = etrusco para Venus), Junho (deusa Juno). E dado que Julho (Júlio Cesar) e Agosto (César Augustus) foram nomeados em função de esses dois imperadores serem considerados deuses, com direito a templos, sacrifícios etc, acho que a homenagem deveria ser retirada também.


4. Talvez fosse bom mudar todos os nomes astronômicos (constelações, planetas, satélites) de deuses greco-romanos também. Eu proponho que chamem Júpiter de planeta Kinouchi...


Deveriamos sugerir este programa de ação para o Dawkins?


Engraçado, foi a Inquisição Portuguesa que secularizou os nomes dos dias da semana... Cuidado para não inventarem outras inquisições... Pessoal, sou simpático à causa de vocês, mas talvez fosse melhor eleger uma lista de prioridades. Acho que combater a infiltração da pseudociência dentro das universidades é uma tarefa Hercúlea, já está de bom tamanho.


Ops, acho que não fui secularmente correto, usei a palavra Hercúleo... :´)


oOo


Complementando, existe um artigo interessante de Reinaldo Lopes do Visões da Vida no G1 argumentando que Jesus era considerado "senhor" e "deus" (ou "filho de deus") por seus primeiros seguidores no mesmo sentido que Júlio César ou Augusto eram senhores e deuses. Isso servia como contestação política ao definir quem deveria ser a autoridade suprema.


A mudança do conceito de Jesus como deus (minúsculo) para o Deus infinito Aristotélico (maiúsculo) parece só ter ocorrido séculos depois, em um processo de deificação similar ao que ocorreu ao Buda Amitabha, conhecido como o Buda da Luz, do Caminho e da Vida. Outra coisa curiosa é que este tipo de budismo surge na mesma época do cristianismo (século II), em uma região de cultura helenizada conectada com o império romano através da rota da seda, pregando uma doutrina de "salvação pela graça" do Buda de Luz:




Fico pensando se isto não corresponderia a um movimento coletivo comum que atingiu de Roma até a Índia, refletindo necessidades sócio-históricas ligadas à uma contestação da sociedade de castas. Lembremos que Roma, na época, também é quase uma sociedade de castas.


Uma curiosidade histórica é que os cristãos eram chamados de "ateus" por não aceitarem os deuses romanos nem os imperadores-deuses. Aparentemente foram os primeiros "ateus" a serem perseguidos politicamente.


Comentários

none disse…
"Assim, se nem no nivel municipal é possivel mudança, me parece combater moinhos de vento tentar no nivel federal." - hmmm, na verdade em certas questões, com a laicidade, tratar em nível federal tende a ter *mais* chances de sucesso. A dinâmica municipal e federal são distintas. Em parte porque os vereadores estão expostos mais diretamente a seus eleitores - a câmara municipal fica ali no próprio município. Brasília, como disseram os Paralalamas, é uma ilha - distante de tudo (não é mesmo na Cinelândia). Em muitos casos, a base eleitoral de um deputado federal é dispersa por todo um estado. A ingerência de bispos e até de padres e pastores sobre a política local é muito mais forte do que sobre a política nacional. A estrutura parlamentar, o regimento, o sistema de votação, o acesso a lobbies e outros fatores também criam dinâmicas distintas - uma, por assim, cultura política diferentes entre as diferentes esferas da União. Embora haja forte clientelismo no nível federal, ela é muito mais característico no nível municipal.

Então, tende a ser menos difícil tratar as questões institucionalmente em nível federal do que em nível municipal. E eu sei muito bem - por experiência própria - o auê que uma simples crítica pontual no orkut causa dentro da política municipal, enquanto que dificilmente um deputado federal ficaria transtornado com isso.

[]s,

Roberto Takata
Marco Idiart disse…
Caro Osame

Não consegui ler mais do que diagonalmente o teu comentário sobre o post do Jef sobre feriados.
Mas li a tua recomendação de leitura e fiquei preocupado. Eu que nem tenho tempo para ler minha carteira de motorista para saber quem eu sou, agora vou ter que fazer uma nova pós-graduação para me manifestar contra a física quântica do espírito?

Acho entendes mau o Ácido. Somos um grupo grande, cheio de desavenças internas de ideologia, e de humor. Somos contraditórios e certamente sabemos pouco de filosofia, antropologia e psicologia. So estamos aqui neste cantinho do universo blogistico para fazer comentários meio amalucados, às vezes polêmicos, às vezes errados, mas com a esperança que depois de muito debate o resultado seja marginalmente racional e inteligente.

E falando de mim, eu desconfio muito dos rótulos das ciências humanas, com seus pós's e new's que tu pareces ter maestria em usar. Eu não gostei de ser chamado de "new-ateu". Como tu, eu sou físico, e estou mais acustumado com números reais. Eu me considero mais um vetor, assim:
marco = new-ateu*0.001 + old-ateu*0.35 + ateu-a-espera-de-uma-prova-realmente-inteligente-do-mundo-espiritual-porque-eu-também-quero-vida-eterna*0.75 + vegetariano-nao-crente*0.99 + gremista*1.0 .
Obs, não está normalizado.
Abração, Marco
Osame Kinouchi disse…
Marco,

Eu concordo com você! Nós, como físicos, podemos criticar o abuso da mecanica quantica, principio antropico, etc, nas tentativas de fundamentar algum espiritualismo.

O problema, porém, é ter dois criterios de rigor na analise sociológica da religiao. Criticamos as pessoas por usarem a fisica quantica sem rigor, mas desprezamos o trabalho dos cientistas sociais no estudo do fenomeno religioso e emitimos opiniões de catedra como se nossa autoridade em fisica se estendesse para essas areas nas quais normalmente estamos desinformados (em termos de historia, sociologia, etc).

Lembra a frase do Feynman? Quando um especialista dá uma opiniao sobre algo fora da sua especialidade, sua opiniao nao vale muito mais do que a do zezinho da esquina.

Eu nao estou dizendo que nao podemos dar opiniao sobre religiao ou politica (se fosse assim, a democracia seria impossivel, teriamos apenas uma tecnocracia). Mas o valor de nossas analises será sempre proporcional ao nosso conhecimento sobre o assunto que estamos discutindo.

Por exemplo, eu poderia fazer um artigo de critica sobre o futebol, e o Gremio em particular. Eu já te aviso que o valor desse artigo seria próximo de zero.

Dado que ocorrem muito mais mortes violentas no Brasil devido aos fanáticos das torcidas do que os fanaticos religiosos, eu proponho que o futebol seja eliminado do Brasil para o bem estar e progresso de nossa civilização...

Na questão da religiao, eu sugiro aos meus amigos ler o livrinho "O que é Religião" da coleção Primeiros Passos. OK, eu sei que é sacanagem fazer isso, mas o mais chocante é que muitos deles nem se dão ao luxo de ter um conhecimento nesse nivel. E depois criticamos os religiosos por nao entenderem nada de ciencia. Dois pesos, duas medidas, como naquela charge do Coletivo Acido...

O que eu propus é uma lista de prioridades quando defendemos uma sociedade laica: defender o ensino laico e a universidade laica é mais importante e mais urgente do que eliminar os feriados como o Natal (inclusive porque no post seguinte eu mostrei que o Natal é uma festa do paganismo romano e sua comemoração foi durante muito tempo condenada pelos protestantes e evangelicos puritanos - que são dois tipos bem distintos de pessoas, por sinal). Não vale a pena cair no mesmo tipo de radicalismo puritano.


Finalmente, eu não gosto muito dessas generalizacoes apressadas tipo "A religião é a raiz de todos os males".
Eu mesmo já renunciei à frase "O capitalismo é a raiz de todos os males".

Acho perigoso esse enfrentamento ideologico sem preparo adequado porque a ciencia tem um certo telhado de vidro.
Teodore Roszak, Marcuse, etc diriam que é a ciência e a tecnologia que são a raiz de todos os males, por criarem ferramentas de opressão economica, armamentismo, etc. Então, é bom se preparar bem para defender o nosso telhado de vidro numa guerra cultural ciencia-religião...
Marco Idiart disse…
Oi Osame

Muuuuiiito grande este teu e-mail. Tu definitivamente estás com todo o cacoete de ciências humanas.
Vou fazer 1 linha para cada paragrafo.
1) ok.
2) Acho que o acido não se propõe a uma análise sociológica da religião.
3) Prefiro saber diretamente de Feynman o que ele quis dizer com a frase.
4-7) Podemos sim fazer análises de aspectos do problema, como fazemos quando publicamos artigos de neurociência sem conhecer a fundo a neurofisiologia do sistema.
8) Concordo.
9) Concordo.
10) Concordo.
Conclusão. Concordamos em parte. Mas gostaria de voltar ao cacoete de ciências humanas. Tu em 3 mensagens fizeste várias citações, recomendaste bibliografia e categorizaste ideias em esteretótipos ( new-ateu, ect... (. Isto faz a discussão improdutiva e desfocada. É melhor fazer a exposição nua das idéias e debate-las assim, mesmo se algum autor já tenha discutido ela. Aprende-se mais do erro do que da confusão. Se tu me deres uma boa idéia vai ser mais útil do que bibliografia.
Abração

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