Do Carinho à Carícia
Eu costumo dar um sorrisinho cético toda vez que algum filósofo ou historiador afirma que Shakespeare (ou os trovadores medievais, ou Sócrates, ou os Beatles) “inventou” o amor romântico. De uma coisa podemos estar certos: emoções tão poderosas quanto essa têm raízes muito mais profundas. Talvez seja mais lógico pressupor que os seres humanos são “monógamos” (as aspas são necessárias) por natureza já faz algum tempo.
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Já vimos algumas das bases comportamentais e sociais do que chamamos de amor; é hora de passar às bases bioquímicas do sentimento. Talvez você já tenha ouvido isso várias vezes antes, inclusive nesta coluna, mas é sempre bom repetir: a evolução é mão-de-vaca e adora improvisar e reciclar. Novos comportamentos e adaptações normalmente não são criados do zero, mas reutilizam elementos antigos (o termo técnico é “conservados”) da biologia de uma espécie. Como vimos, o elo emocional duradouro entre fêmea e macho é relativamente entre mamíferos. Pense, porém, em outro elo emocional poderosíssimo, que nós também chamamos de amor e que é muito mais comum nas espécies aparentadas à nossa. Ora, é o amor de mãe, claro.E uma das chaves bioquímicas desse amor parece ser o hormônio oxitocina, liberado em grandes quantidades durante o parto e a amamentação em todos os tipos de mamíferos, inclusive nós. Ele parece controlar o apego instintivo da mãe pelo bebê, e vice-versa, interagindo com o chamado sistema dopaminérgico – a fração do cérebro que reage ao mensageiro químico dopamina. A dopamina é importante para a sensação de recompensa diante de algo prazeroso, estando envolvida em fenômenos como a euforia e o vício em drogas.
É aqui que entra a linha de pesquisa de Young, que estuda os arganazes, pequenos roedores silvestres do hemisfério Norte. O que acontece é que fêmeas de arganazes sob a ação da oxitocina (via uma injeção, por exemplo) criam um elo forte com o macho que estiver mais próximo delas – isso no chamado arganaz-da-pradaria (Microtus ochrogaster), espécie monógama do bicho. Young propõe que o circuito cerebral utilizado para forjar o elo entre mãe e filho foi modificado e cooptado para produzir o “amor” monogâmico entre os roedores.
E entre pessoas também. Afinal de contas, há uma potente liberação de oxitocina durante a estimulação da vagina e dos seios durante as relações sexuais na nossa espécie, o que ajudaria a fortalecer o elo emocional da mulher com seu parceiro. E a coisa também parece funcionar do lado do macho. Os arganazes monogâmicos parecem fortalecer a ligação com suas esposas por meio de um hormônio quimicamente semelhante à oxitocina, a chamada vasopressina, que também potencializa a agressividade contra possíveis rivais e o instinto paternal.Para continuar, clique aqui.
Há alguns anos atrás eu escrevi um artigo (unpublished) defendendo que a carícia sexual seria uma exadaptação do carinho mãe-filhote (e por que não pai-filhote). O argumento óbvio é que enquanto o cuidado ("care") com os filhotes é evolucionariamente essencial para os mamíferos, o ato sexual em si não é nada carinhoso na maior parte das espécies. A carícia sexual é um bonus a mais, não é necessária para a reprodução.
Isso pode parecer trivial a menos que você lembre que uma leitura rasa Freudiana diria o contrário, que o carinho e as carícias materno-infantis são de origem sexual. Mas isso só acontece se você ampliar tanto o significado de sexual que a teoria se torna irrefutável.
Como esse bônus a mais surgiu? Me parece uma simples estratégia, não necessariamente incorporada geneticamente: se uma mulher oferecer sexo mais carinho ela irá liberar mais hormônios de ligação (oxitocina, vasopressina) no companheiro do que a mulher que oferece apenas sexo (ou apenas carinho). Imagino que o mesmo acontece ao contrário, as mulheres procuram homens carinhosos (evidência: faça uma estatística de palavras-chave nos sites de relacionamento).
É possível que esse comportamento estratégico das mulheres (aumentar a fidelidade do companheiro usando carinho) tenha tido um efeito colateral evolucionário. Os homens mais sensíveis à oxitocina teriam sido selecionados, ou seja, aumento de neotenia masculina.
Traduzindo: os homens ficaram mais acriançados, mais controláveis, o comportamento (patológico) da mulher que também é mãe do companheiro apareceu. Como elas dizem: Quando um homem cresce, apenas aumenta o tamanho dos brinquedos...
Quanto à "amarração para o amor" e as "poções do amor" neuroquímicas discutidas no artigo do Reinaldo (para prever a futura tecnologia basta examinar as promessas da magia), parece que já conhecemos isso faz tempo não? A poção chama-se "Carinho & Carícia"...
PS: Reinaldo recebeu a notícia de que iria ser pai pela primeira vez pelo celular,dentro do meu carro enquanto eu, Carlos Hotta e Átila o levávamos para a Rodoviária, no final do I EWCLiPo. Será isso o que tem motivado suas colunas sobre amor romântico, oxitocina e bebês? Reinaldo, a presença de um bebê configura um triângulo amoroso (esse bebê da foto parece estar olhando para o pai e dizendo "Agora ela é minha!") . Se no futuro você se sentir meio por fora, com seu estoque de vasopressina em baixa, eu posso lhe recomendar muita paciência, paciência e paciência...
Comentários
Fico muito contente com o comentário altamente thoughtful. Acho que é justamente por aí que as idéias do Young estão caminhando -- e são coisas bem testáveis.
Falando de evolução é inevitável tocar quase o tempo todo em sexo e amor. Infelizmente a minha mulher perdeu o bebê na semana seguinte, mas você pode imaginar que isso só aumentou a nossa determinação pra continuar tentando, então tudo isso continua na minha cabeça. Abração!