Cassandra, crash global, neofacismos
Por que meu post anterior sobre a ascenção da extrema direita na Áustria?
Bom, modéstia a parte, acho que tenho vocação para Cassandra. Isso não importa. Ninguém me escuta mesmo! Os trechos abaixo foram escritos há quase 10 anos, para o livro O Beijo de Juliana: Quatro físicos teóricos conversam sobre crianças, ciências da complexidade, biologia, política, religião e futebol... (Juliana é minha filha, ao lado). Se alguém tiver interesse em editar o livro, sem custos para este ppobre professor, me contate...
04/Janeiro/1999
Bom, faz tempo que eu chamo atenção para esse tema de que a cultura mundial pode evoluir para um estado bastante refratário à perspectiva científica. Ou melhor, um mundo onde a ciência será usada apenas como suporte da tecnologia, mas não como fonte de uma visão de mundo (isto é proposto no livro The Making of a Counter Culture de Theodore Roszack). De certa forma, esse mundo já existe (especialmente na França, dizem...). O elemento novo talvez seja o de que a Universidade (que considero mais um gueto do que um bastião do racionalismo) talvez venha a se tornar um dia no bastião do Irracionalismo (pós-moderno)... Atualmente, só o Papa, com sua última encíclica, ainda acredita nos poderes da Razão...
Acho que está se formando um consenso entre diversos analistas de que o século XXI será marcado não apenas por guerras religiosas e culturais, mas principalmente pela guerra de todas as religiões contra a Ciência... Encaro tudo isso numa perspectiva bastante impessoal, de competição e acomodação de memes, todos lutando por espaço num mundo com um número finito de cérebros. A Ciência é muito incômoda, fica querendo usar inseticida nos memes dos outros. Mas agora vai ter que passar para a defensiva, pelo menos em termos políticos. Eu preferia a acomodação e cooperação, mas acho que vai ser guerra mesmo. Essa lógica Darwiniana cultural escapa aos nossos desejos, pelo menos por enquanto...
Mas agora ando mais tranqüilo com relação a isso. Primeiro, porque não vejo muito o que se possa fazer, ou o que fazer sem que se cometa injustiças (como as de Bunge em relação a Bayes. Segundo, remar contra a maré é uma maneira besta de se desperdiçar a vida. É preciso usar estratégias mais inteligentes, estratégias que ainda não sei quais são. Além disso, desconfio que estamos numa situação em que todos os lados têm um pouco de razão.
Em todo caso, é curioso observar a passagem do tempo, as notícias dos jornais, e pensar se esses pequenos fatos que estamos observando têm um significado mais permanente, sinais de grandes tendências culturais, ou se são apenas uma simples flutuação de espuma que desaparecerá em breve no rio da história. Por exemplo, ontem deu no Fantástico uma reportagem sobre a grande campanha que alguns evangélicos estão promovendo pelo direito dos pais de retirar seus filhos das escolas públicas, transferindo-os para escolas confessionais ou para o aprendizado em casa. O argumento desses pregadores para os pais cristãos é de que eles não têm o direito de arriscar a alma de seus filhos colocando-os em contato com o ambiente secularista das escolas.
E isso acontece mesmo com todo o “esforço” que as escolas públicas americanas tem feito em “adequar” seu ensino às “necessidades da comunidade”, reintroduzindo o ensino de religião, procurando não ofender as diversas opiniões religiosas e culturais envolvidas etc. etc... De algum modo isso se parece com a quebra de algum principio bastante fundamental (originário do Iluminismo) sobre educação laica para todas as crianças. Como o Iluminismo e a Modernidade são os grande vilões da história atualmente, a contestação desse princípio é vista como um grande ato libertário...
Bom, mas talvez isso seja apenas uma espuma que se dissipe daqui a alguns anos. Ou então uma das pequenas nuvens negras (existem outras) que anunciam a tempestade. Quem pode dizer? Se tentarmos, talvez não façamos um trabalho muito melhor que os astrólogos durante a passagem do ano...
30/Janeiro/1999.
Caros amigos,
Que bela manhã chuvosa de sábado, não é Jean ?
Gostaria de continuar a limpeza do meio de campo (embora temendo que isso ainda possa gerar muito ruído emocional). Como não tenho diferenças grandes em relação ao Noam vou continuar a limpeza dos entraves no diálogo apenas em relação ao Richard e Jean. Mas antes uma pequena observação sobre o Noam. Basicamente, o interesse central do Noam parece ser o de incutir em nossas discussões filosóficas, ou pelo menos não nos deixar esquecer, a dimensão política: “Lembrem-se, crianças estão morrendo de fome, será que vale a pena discutir emergentismo, origem da vida, etc., dado esse quadro social urgente e deprimente”. Já o Jean chama esse quadro trágico de grande piada elaborada pelo Deus inexistente.
Bom, o meu argumento, que parece que o Noam absorveu de certa forma, é de que toda política é informada por uma filosofia, que a filosofia é fortemente influenciada pela visão científica de uma dada época, que a derrocada do socialismo nos obriga repensar seus fundamentos e que o tipo de política que emerge apenas da praxis, tão venerada até a década de 80, mostrou-se cega, curta, eventualmente tornando-se reduto de picaretas e oportunistas. Nesse sentido, vale a pena discutir Monod, tanto por suas visões científicas (o cara ganhou aquele prêmio Nobel de forma merecida!) como filosóficas e políticas (ele é um crítico feroz do marxismo, que chama de animismo político).
(...) Mas é bom ter o Noam por perto porque eu realmente tenho a tendência de sobrevalorizar discussões exóticas (Guerra de Memes, ascensão do neofascismo após o futuro crash global, relativismo romântico como facilitador para a transição para a extrema direita etc.) em detrimento de questões concretas (o desemprego que, mais cedo ou mais tarde, também vai nos pegar...).
Bom, o meu argumento, que parece que o Noam absorveu de certa forma, é de que toda política é informada por uma filosofia, que a filosofia é fortemente influenciada pela visão científica de uma dada época, que a derrocada do socialismo nos obriga repensar seus fundamentos e que o tipo de política que emerge apenas da praxis, tão venerada até a década de 80, mostrou-se cega, curta, eventualmente tornando-se reduto de picaretas e oportunistas. Nesse sentido, vale a pena discutir Monod, tanto por suas visões científicas (o cara ganhou aquele prêmio Nobel de forma merecida!) como filosóficas e políticas (ele é um crítico feroz do marxismo, que chama de animismo político).
(...) Mas é bom ter o Noam por perto porque eu realmente tenho a tendência de sobrevalorizar discussões exóticas (Guerra de Memes, ascensão do neofascismo após o futuro crash global, relativismo romântico como facilitador para a transição para a extrema direita etc.) em detrimento de questões concretas (o desemprego que, mais cedo ou mais tarde, também vai nos pegar...).
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