'Maconha do cérebro' alivia mal de Parkinson


Para minha pesquisa sobre Endocanabinóides.

Marília Juste, do G1: Compostos produzidos pelo cérebro, que regulam os processos cotidianos do organismo, como comer e dormir, e que agem como uma “maconha natural” quando funcionam acima do normal, são capazes de aliviar os sintomas do mal de Parkinson. A descoberta é uma de duas boas notícias desta semana para os pacientes com a doença. A outra veio de um estudo que envolveu os laboratórios da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto e que encontrou um mecanismo que pode explicar as causas da doença.

Foto: Divulgação
Nature/A. Kreitzer
Imagem de microscópio mostra neurônios produtores de dopamina de camundongos (Foto: Nature/A.Kreitzer

A "maconha natural" do cérebro são receptores conhecidos como "endocanabinóides". Nos pacientes com Parkinson eles exitem em menor quantidade, devido à falta de dopamina -- molécula que controla a transmissão de informações entre neurônios, relacionada com sensações de prazer e que também ajuda a gerar endocanabinóides. Nas pessoas com a doença, os neurônios que produzem dopamina são destruídos.

A maconha natural faz efeito, mas isso não significa que a planta em si dê o mesmo resultado. E os autores do estudo Robert Malenka e Anatol Kreitzer, da Universidade Stanford, são enfáticos ao fazer a afirmação. “É muito importante ressaltar isso: fumar maconha ativa todos os receptores de canabinóides ao mesmo tempo em todas as partes do cérebro. Não funciona”, afirmou Malenka ao G1. “O resultado só é obtido quando impulsionamos a ação dos endocanabinóides especificamente nas áreas onde eles estão em falta”, explica Kreitzer.

No trabalho que está na revista “Nature” desta semana, os dois pesquisadores combinaram um remédio já usado para o tratamento do mal de Parkinson com outro composto, experimental, que aumenta os níveis dos endocanabinóides no cérebro. Em camundongos, o tratamento deu resultados em apenas 15 minutos e os animais passaram a se movimentar normalmente.

Os seres humanos com a doença, no entanto, precisam esperar bem mais que 15 minutos. Apesar do sucesso do tratamento com as cobaias, há ainda um longo caminho a ser percorrido antes do composto de Kreitzer e Malenka chegar às pessoas com a doença. “O uso em pacientes ainda deve demorar mais uns 10 anos”, diz Kreitzer. “Precisamos testar se o tratamento é tóxico, se tem efeitos colaterais e descobrir qual é a dosagem certa”, explica.

A causa

Enquanto a equipe de Stanford focava no tratamento do mal de Parkinson, outro grupo se debruçava sobre as causas da doença. No estudo, descobriu-se que a destruição de neurônios observada nos pacientes com a doença tem causas muito mais complexas do que se imaginava.

Os cientistas já sabiam há algum tempo que uma molécula tóxica, a MPP+, causa a morte de células. O que não se sabia era como ela induzia a destruição dos neurônios produtores de dopamina, causando o mal de Parkinson. Estudando os neurônios de lulas (que são grandes o suficiente para facilitar a pesquisa), o grupo do qual fez parte o argentino Jorge Moreira, da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, descobriu pelo menos um desses mecanismos.

“Quando injetamos MPP+ nos neurônios de lula, algumas dezenas de minutos depois, eles começaram a apresentar problemas”, explica Moreira. Segundo o cientista, a molécula causa um “distúrbio de transporte” -- que ele e seus colegas batizaram de disferopatia, baseado na palavra “fero”, que em grego significa transporte -- que vai acabar matando o neurônio.

“A MPP+ desacelera o envio de proteínas fundamentais para a formação de neurotransmissores a uma área específica do neurônio. Ao mesmo tempo, acelera a saída de outras proteínas dessa mesma área. Com as proteínas demorando para chegar e saindo rapidamente, essa área morre e, logo a seguir, o neurônio”, diz o cientista.

A descoberta desse distúrbio de transporte não é a explicação definitiva para o mal de Parkinson, alerta Moreira. “Explicamos apenas um dos mecanismos envolvidos”, diz ele. “Mas é um passo importante para o futuro das pesquisas.”

Moreira cuidou de todo o processamento do material usado na pesquisa liderada por Scott Brady e Rodolfo Llinás, da Universidade de Illinois em Chicago e do Laboratório de Biologia Marinha de Woods Hole, nos Estados Unidos, que está publicada na edição desta semana da revista “PNAS”, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.

No Brasil desde 1976, quando fugiu da ditadura em seu país, ele acredita que o quebra-cabeças do mal de Parkinson pode estar próximo de ser resolvido. “O mal de Parkinson, e as doenças degenerativas do sistema nervoso com um todo, são um problema social muito grande. Por isso há uma grande quantidade de recursos disponíveis para a pesquisa nessa área”, afirmou ele ao G1. “Acredito que é uma questão de tempo”.

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