Divulgando ciências cientificamente (4)
“Ninety percent of everything is crud”
The first written reference to this appears in the March 1958 issue of Venture, where Sturgeon wrote: “I repeat Sturgeon’s Revelation, which was wrung out of me after twenty years of wearying defense of science fiction against attacks of people who used the worst examples of the field for ammunition, and whose conclusion was that ninety percent of SF is crud”. [1] Using the same standards that categorize 90% of science fiction as trash, crud, or crap, it can be argued that 90% of film, literature, consumer goods, etc. are crap. In other words, the claim (or fact) that 90% of science fiction is crap is ultimately uninformative, because science fiction conforms to the same trends of quality as all other art forms do.
According to Philip Klass (William Tenn), Sturgeon made this remark in about 1951, at a talk at NYU at which Tenn was present. [4]. The term was subsequently popularized at a session of the World Science Fiction Convention in Philadelphia, held over the Labor Day weekend of 1953.[5][6]
This formulation of Sturgeon’s Law may be regarded as an instance of the Pareto principle.
Bom, acho que a lei de Sturgeon refuta qualquer argumentação puntual de Takata, ou seja, citar algum filme ou livro como exemplo de FC deseducativa. O que temos que pensar é em termos amplos, sociológicos, estatísticos. Foi por isso que eu propus aquela experiência de pensamento: "Elimine toda a FC do século XX e começo do XIX e estime as consequências para para a a compreensão pública e a educação científica. Estaríamos melhor ou pior?"
É claro que se Takata responder: "OK, mas se você eliminar os 90% de FC lixo, a compreensão pública da ciência estaria melhor". Eu concordo inteiramente, mas isso é uma conclusão trivial, não é mesmo?
O ponto é que Takata e eu estamos discutindo sobre níveis diferentes de compreensão científica: ele está preocupado com a compreensão sobre o que é exatamente um gene ou um clone, segundo a melhor compreensão dos biólogos. Eu estou preocupado com um conhecimento "anterior", "vocabular", proto-conceitual: ou seja, primeiro o público precisa saber que existem coisas chamadas "gene" e "clone" e ter uma idéia mínima (e portanto necessariamente não acurada) à que se referem.
Para atingir esse objetivo, a novela "O Clone" foi o suficiente. Ou seja, uma pessoa que assistiu à novela, e que nunca tinha ouvido falar em clone (afinal, ela não é leitora de FC e não teria aproveitado o ótimo Terra Imperial de Arthur C. Clark, sugerido pelo Portal de Ensino de Ciências do IF-USP e onde as questões éticas da clonagem humana são tratadas de forma profunda em plena década de 70), poderá ser atraía agora por uma reportagem de jornal, uma revista ou um documentário de DV, porque tem a mínima informação sobre o que se trata: a pessoa saberia que é um tema de biologia e não de física, tema ver com genes e DNA (outras palavras popularizadas na novela), relacionado à produção de "cópias de organismos" - o que não é verdade mas é uma primeira aproximação - e tudo em ciência parte de primeiras aproximações...
Ou seja, segundo a tese de Takata, a novela "O Clone" fez um malefício à educação científica brasileira e à popularização da ciência. Segundo minha avaliação, fez um benefício, por chamar a atenção para um assunto novo, por disseminar de forma aproximada porém em amplas camadas da população um primeiro jargão biológico (DNA, genes, clones) necessário para que as pessoas possam pelo menos conversar ou se interessar sobre o assunto. A prova de que essa difusão científica ocorreu é o fato de que o termo foi absorvido pela linguagem cotidiana, por exemplo, quando falamos em "clonar cartão de crédito".
Então eu posso propor um experimento de pensamento mais limitado para ser executado:
Eliminemos a novela "O Clone" da história da TV brasileira. Isso teria sido benéfico, indiferente ou detrimental para a compreensão científica da população?
Comentários
Vamos supor que usar a expressão "clonar cartão de crédito" traga alguma vantagem à compreensão do que seja clonagem. É *falso* que a novela tenha levado á difusão da expressão.
"Clonagem de celular", "de placas" e "de cartão" eram expressões correntes *antes* da novela.
A novela é de fim de 2001. Veja esta reportagem de 2000:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u299.shtml
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[]s,
Roberto Takata
Mas vc está enfatizando o aspecto errado. A frase foi formulada do modo como está: 'divulgação ruim é pior do que divulgação nenhuma' e não uma alternativa 'divulgação nenhuma é melhor do que divulgação ruim' porque não existe a dicotomia: 'ou se faz uma divulgação ruim ou não se faz nenhuma', há pelo menos uma alternativa 'faz-se uma boa divulgação'.
Na parte da escolha de carreira, os dados indicam que professores e parentes são mais determinantes na escolha de carreiras científicas. E.g. http://www.jstor.org/pss/749273
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[]s,
Roberto Takata
Logo, embora eu ache que a novela O Clone tenha feito mal (e frise-se "acho"), essa apreciação *não* deriva da tese "divulgação/difusão ruim é pior do que divulgação/difusão nenhuma".
Pela tese, *se* a novela O Clone for um produto ruim, *então* terá um efeito negativo maior do que sua ausência. A condição "ser produto ruim" deve ser averiguada por outros meios.
Deve-se salientar que isso diz respeito apenas na dimensão do conhecimento de conceitos científicos. Como disse antes e repito aqui: isso *não* deve levar à conclusão de que seria melhor então que a novela não tivesse existido - há bem mais parâmetros do que apenas o conhecimento de ciências que devem ser considerados: a dimensão artística, cultural, de entretenimento, econômica, política, etc.
[]s,
Roberto Takata
Na verdade não.
1)Como dito, não fiz nenhuma menção à porcentagem de produtos ruins - minha argumentação não depende disso;
2)Se se aceita tal porcentagem - 90% de produtos ruins - aí a situação fica *ainda* pior: com tal fração de produtos ruins, é perfeitamente factível generalizar e tomar como altamente provável que qualquer produto tomado ao acaso seja ruim;
3)Não se citou *algum* filme ou livro - *algum* no sentido de *um qualquer* ou *um subconjunto limitado não representativo conjunto*. Um trabalho - Commins 2001 - mostrava a generalização de filmes como fontes de concepções errôneas. Outro trabalho mostrava como um filme *com consultoria de especialista da NASA* - o que supostamente poderia estar dentro dos 10% de Sturgeon - causava impacto negativo.
[]s,
Roberto Takata
Eu realmente acho que você não entendeu essa minha idéia de "aprendizagem por osmose" do ambiente cultural (vou desenvolver melhor isso em outro post).
O meu experimento de pensamento é muito simples:
1. 90% da FC é "lixo" em termos de exatidão científica.
2. Suponha que se delete TODA a FC do ambiente cultural.
3. Pergunta: a compreensão pública da ciência estaria melhor ou pior nesta situação, em termos estatísticos, em termos de grande público?
Eu acho que a resposta é óbvia (ou seja, a ignorância sobre ciência seria bem maior). Não sei como um estudo puntual de caso pode refutar essa tese geral.
Acho que você está confundindo o numero de bits de informação errado em um filme com o número de bits corretos, que é uma ordem de magnitude maior.
Por exemplo, o filme lixo "The Core" veicula e reforça a idéia de que a temperatura do interior da Terra é muito maior que a da superfície, que a pressão aumenta, que existem camadas geológicas, que é mais dificil perfurar a crosta do que ir para a Lua etc.
Ou seja, para cada informação errada, existem dez informações corretas, conhecimento básico, tácito, que a imensa maioria da população brasileira não tem...
Além disso, o filme difunde o jargão, que poderá ser depois trabalhado: pressão, temperatura, manto, magma, núcleo da Terra, elementos radiativos etc.
Acho que você também não entendeu meu argumento de que os mamíferos aprendem principalmente através da atividade de "brincar", e que o "entretenimento" é uma atividade parente desse processo.
Ou seja, jogar dados ou cartas transmite um conhecimento tácito sobre probabilidades que nenhum conhecimento dado por um curso de Probabilidades pode dar. Exemplo: eu estava dando uma aula de probabilidades e perguntei para a classe quantas cartas tinha em um baralho (a fim de fazer um problema clássico em probabilidades). Muitas meninas (era um curso de Pedagogia) não sabiam, o que inviabilizava a própria motivação do exemplo.
Mas não é meu papel como professor fornecer esse tipo de informação (quantas cartas ou quantos ases tem em um baralho). Isso tem que ser aprendido por osmose cultural...
1a) Não sei de onde veio o dado de que para cada informação cientificamente errada no The Core haja outras 10 certas.
2)Os estudos mostram como informações errôneas atrapalham a progressão da compreensão.
2a) Na sua metáfora dos bits: um único bit errado em uma linha de programação é capaz de emperrar o funcionamento do computador.
2b)Vamos a um outro experimento mental então:
Um filme sobre Aids tem as seguintes mensagens
a)O HIV é o agente etiológico da Aids;
b)Macacos apresentam o SIV que é similar ao HIV;
c)O HIV é combatido com a ajuda de antiretrovirais;
d)A Aids não tem cura;
e)A África é o continente com o maior número de infectados;
f)Evitar contato com sangue contaminado é um modo de diminuir as chances de ser infectado com o HIV;
g)Beijar na bochecha de um HIV positivo não causa Aids;
h)Dormir na mesma cama de um HIV positivo não causa Aids;
i)Atualmente mulheres e idosos apresentam um taxa aumentada de contaminação;
j)Atualmente os tratamentos têm prolongado a expectativa dos HIV positivos;
k)Pode se fazer sexo à vontade sem proteção que o HIV não é transmitido através do sexo.
Você acha que:
I)O filme traz uma grande contribuição ao esclarecimento da população por trazer mais informações cientificamente acuradas a respeito da Aids e do HIV do que informações erradas;
II)O filme é deletério ao esclarecimento sobre a Aids por trazer uma desinformação séria;
III)Outra opinião
[]s,
Roberto Takata
Se não é sua função ensinar quantas cartas têm em um baralho (não vejo qual o problema em dizer que são 52 em um baralho normal, mas enfim...); seria minha função ensinar o que são genes, clones, etc.
Mas vamos às suas meninas de pedagogia. Eu pegaria um baralho e mostraria a elas. Certamente o trabalho seria muito mais fácil do que se elas tivessem o conceito de um baralho tem 891 cartas.
O que você está enfatizando é que a ausência de informação correta é pior do que a presença de informação correta. O que seria, na sua expressão, algo trivial. E ninguém está discutindo isso.
A questão de propus desde o início é que a presença de informação incorreta é muito pior do que a ausência de qualquer tipo de informação. (E ainda enfatizei que isso não era pra ser interpretado como que seria melhor então deixar de dar informações. Mas sim que se deve tomar cuidado com a qualidade da informação passada - o que, de um lado, veta pseudociências e de outro, coloca vários canais sob restrição - como séries de TV, filmes e outros produtos culturais.)
E estou analisando aqui dentro de uma *estratégia* de divulgação/difusão - aquilo que valeria a pena colocar em um projeto a ser enviado pra uma agência de fomento.
[]s,
Roberto Takata
Eu estou interessado na contribuição do objetos de entretenimento para uma etapa anterior, de formação de um background cultural, do processo de difusão cientifica: o meu esquema AC -> DC -> EC
Tipo:
1. Estrelas são outros sóis.
2. Estrelas tem planetas.
3. Planetas tem luas.
4. As pessoas (ou ETs) vivem na superfície dos planetas em vez de "Terras Ocas" ou bacias com cúpulas.
5. Galaxias são muito maiores que sistemas estelares.
Tudo isso você pode aprender em qualquer filme ou desenho animado de FC. Se aquela professora de 26 anos tivesse sido exposta a eles, seu conceito prévio de Terra Oca teria sido modificado. É apenas isso.
Você ainda não entendeu que não estou analisando a qualidade de produtos individuais, como o filme da AIDs que vc deu como exemplo. Eu estou dizendo que, se tivermos uma centena de filmes, quadrinhos, novelas, teatro, games, etc falando de AIDs, mesmo que um ou outro tenha informações erradas, o efeito estatístico do todo é positivo (embora o efeito de cada informação errada seja deletéria).
Dizendo de outra maneira, as informações erradas são componentes vetoriais que tendem a se contrapor e se anular (se o conjunto de objetos culturais for grande) enquanto que a média global estará alinhada, em primeira aproximação, com um tipo de pré-educação científica.
Mais um exemplo: As pessoas compram bastante as revistas de palavras cruzadas, enigmas etc (um objeto de entretenimento da industria cultural). Eu considero isso uma mídia subutilizada, ou seja, seria possivel fazer, por exemplo, uma revista Coquetel onde as palavras cruzadas, os caça palavras, os enigmas etc, tratariam todos de temas científicos. Por que não?
Se fosse verdade, não existiriam concepções errôneas em ciências - ou seriam em pequeno número.
Além disso, os estudos que indiquei mostram como isso é *falso*. Um conceito errado - especialmente os mais centrais - atrapalham todo o processo de aprendizagem.
O trabalho de Commins compila os erros de concepção a respeito da astronomia e cosmologia. Há outros trabalhos de mesma natureza.
Vamos a contraexemplo de a 1-3 e 5: "Science-fiction movie writers tendo to confuse 'galaxy', 'universe', and 'star' quite a bit." Plait 2002.
Qto ao hipotético filme sobre Aids, bem vc analisou *uma* novela. Além disso, afirmou que o The Core tinha dez vezes mais conceitos certos do que errados e, portanto, faria mais bem do que mal. Então vc está, sim, analisando não apenas o conjunto dos filmes e produtos culturais, mas o resultado líquido de *cada* um tb. O hipotético filme sobre Aids é uma contra-argumentação a respeito do The Core (ainda não sei de onde tirou a proporção de 10 informações corretas para 1 errada): o filme sobre Aids tem uma informação errada para 10 informações corretas - vc considera que no todo esse filme sobre Aids faria mais bem? (E isso poderia ser generalizada para o *conjunto* de filmes.)
Analisando em conjunto, voltamos ao ponto inicial deste comentário: se fosse verdade, não teríamos tantas concepções errôneas.
Tb continuo a não entender como a doutrina Sturgeon que vc trouxe à baila faz com que a maioria das informações sejam corretas (se se considera que 90% é ruim)... Mas isso é uma questão lateral.
Comins bate ainda mais duro que eu. "Cartoons are a major external source of misconceptions about science for young children. [...] Misconceptions created by science fiction have increased dramatically in the past few decades because of the fantastic animation capabilities now available, making science fiction much more realistic than ever before."
Comins, N.F. 1998 - Identifying and addressing astronomy misconceptions in the classroom. In Goughenheim et al. (eds) New trends in Astronomy teaching. IAU Colloquium 162. Pp: 118-23.
Plait, P.C. 2002 - Bad astronomy: misconceptions and misuses revealed, from astrology to the moon landing 'hoax'. John Wiley & Sons. 277 pp.
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[]s,
Roberto Takata