Divulgando ciências cientificamente (2)


Realmente não sei se depois da tréplica vem a quadréplica (suponho que não). Mas continuemos porque a discussão está muito interessante e na verdade é vital (afinal, FC para mim é vital...).

Roberto Takata faz algumas afimações em sua tréplica que concordo inteiramente (porque acho que são triviais):

1. Mídias de divertimento (em contraposição à mídias educativas) como filmes de ficção científica influenciam a percepção pública da ciência.
2. Em termos de ciência factual, existem filmes mais acurados (como "Contato", baseado no livro homônimo de Carl Sagan) e menos acurados (como The Core - Missão ao Centro da Terra).
3. Filmes menos acurados tem impacto educativo negativo comparado com filmes mais acurados.
4. Séries de DV como Cosmos ou Jaques Custeau são mais acuradas cientificamente do que filmes de entretenimento.

Dados esses pontos de partida, porém, me parece que Takata pretende defender as seguintes conclusões que acredito serem um non sequitor dos itens 1-4 (espero que ele me corrija se não for o caso):

A. Professores e divulgadores de ciência não deveriam usar filmes de ficção científica para a difusão científica acurada, seja como exemplos positivos de informação, seja como ganchos de interesse (por exemplo, uma aula de geociências onde se apresenta The Core e pede-se aos alunos para fazer uma crítica científica do filme).
B. Mídias como músicas, quadrinhos, games, stand-up comedy e séries de TV não poderiam ou deveriam ser usadas (com a devida habilidade, claro!) em tarefas como divulgação científica.
C. Crenças pseudocientíficas não podem ser usados como ganchos de divulgação científica.

Já dei um bom exemplo do item A no post anterior, mas Roberto não respondeu ao mesmo.

Exemplo do item B: prefiro, por razões educativas, dar aos meus filhos o game Spore do que games de ação ou violência, embora Spore não seja biologicamente correto e mesmo possa ser classificado por Takata de ser um game que dissemina a idéia de Desígnio Inteligente (por falar nisso, o filme 2001-Uma Odisséia no Espaço também dissemina o DI!).

Exemplo do item C: Nas minhas aulas do curso de Mecânica Clássica, quando chega o momento de calcular o campo gravitacional dentro de uma esfera, eu discuto também o caso da casca esférica dado que os resultados são muito interessantes (assim como no caso da Eletrostática, o campo é nulo sempre dentro de uma esfera oca).

Para motivar o exemplo (afinal, na cabeça de alunos do segundo ano de física, para que serve uma casca oca gravitacional?), eu discuto inicialmente uns dez minutos sobre a Teoria da Terra Oca, e como acreditar na mesma equivale a afirmar que a Teoria da Gravitação de Newton faz predições erradas neste caso: ou seja, você tem que escolher entre uma ou outra, não dá para acreditar nas duas ao mesmo tempo.

Já faz uns dez anos que uso esse exemplo em sala de aula, e me parece que funciona otimamente: os alunos ficam hiper interessados na aula, motivados e compreendem de forma mais profunda as implicações da teoria da gravitação. Afinal de contas, ela implica que a teoria conspiratória de que os OVNIs são naves nazistas originadas nas sete cidades de Agharta, situadas dentro da Terra Oca, e que estão preparando o retorno vitorioso do IV Reich, é puro papo furado de internet (ou melhor, crenças com agendas políticas obscuras, mas vá lá).

Se isso não é um bom uso de uma crença pseudocientífica como gancho para motivar a educação científica, então eu não sei o que mais pode ser. Ou seja, aceitar os argumentos de Takata implica em eu ter que parar de dar essa aula, e eu não vou fazer isso a menos que Roberto realmente me dê bons motivos (ele não me deu nenhum até agora).



Ou seja, talvez Roberto tenha entendido que eu aprove ou estimule a difusão das conceitos científicos errados ou pseudociências como forma preambular de divulgação científica. Não é isso o que eu disse, mas sim que, dado que essas crenças já existem em nosso ambiente cultural, elas constituem um bom gancho para abrir discussões e fazer divulgação científica. Ou seja, as pessoas já ouviram tais palavras (como "Teoria do Caos" no filme Parque dos Dinossauros), e podemos usar essa pop culture para aprofundar o assunto.

Se não me engano, é o que a maior parte dos blogueiros de ciência fazem, quando pegam um conceito científico equivocado (por exemplo, que a Evolução biológica depende fundamentalmente de eventos ao acaso) e o re-explicam de forma mais acurada (Takata fez isso recentemente de maneira explendida aqui).

Um exemplo final: ainda falta um bom filme ou best-seller chamado Entropy (que não seja este aqui) para que o conceito de entropia possa ser discutido entre jornalistas e formadores de opinião ambientalistas. Mesmos que eles saibam que o principal problema da economia não sustentável é o grande aumento de entropia (e não o "gasto de energia"), a palavra não existe no vocabulário conceitual dos público a quem eles poderia se dirigir. O conceito de entropia ainda não sofreu a mesma difusão científica que o conceito de energia.

PS: Apenas como esclarecimento, acho que a discussão aqui não é sobre a diferença entre o campo da Arte e do Entretenimento e o campo das Ciências de da Popularização da Ciência (Entretenimento Científico?). Claramente as linguagens e propósitos de cada campo são diferentes. A questão que estamos discutindo é se é possível ou conveniente exadaptar objetos de entretenimento para o campo da difusão científica e a melhor forma de fazer isso.

Comentários

Anônimo disse…
Oi, Osame,
está muito interessante essa discussão de vocês, eu tô pipocando de um blog a outro para acompanhá-la :) Compartilho mais da tua opinião nesse caso e expliquei em mais detalhes na quadréplica do Takada, dá uma olhadinha lá qdo puder!
E feliz Natal!!!
Bjos, Tati
Anônimo disse…
Osame,

Acabo de postar um comentário nesse mesmo sentido no Gene Repórter.
Mas para ser ainda mais clara, considero possível, conveniente e importante lançar mão de produtos de entretenimento na difusão científica e no ensino de ciências.
Para mim, a questão está na competência de quem usa.
Os produtos estão aí, no mercado cultural. Cabe aos professores que querem trabalhar com eles em sala de aula criticá-los em suas deficiências e fazer bom proveito de suas virtudes.
Para além das salas de aula, a maioria desses produtos consegue instalar pelo menos um toque de curiosidade benéfica nos seres pensantes do público.
um grande abraço para você e um bom Natal!
none disse…
fiz o disclaimer no Gene Repô.

"eu aprove ou estimule a difusão das conceitos científicos errados ou pseudociências como forma preambular de divulgação científica. Não é isso o que eu disse" - foi o que eu entendi e, mesmo depois de reler, é o que, para mim, vc disse. Especialmente com: "anterior" e "necessária".

Para a questão de uso na escola, tais produtos não são nem necessários por si, nem há necessidade de anterioridade ao processo educacional.

E nem tal uso se caracteriza como difusão/divulgação.

[]s,

Roberto Takata
Dedalus disse…
Caro Osame,

Participei recentemente de um workshop em que se discutiram teorias "alternativas" da gravitação. Esse nome, "alternativas", quer dizer teorias que saem, por exemplo, da física conhecida (newtoniana ou relativística) e a extrapolam de forma não-usual. Pode-se pegar como exemplo uma tal de MOND (Modified Newtonian Dynamics), onde a dinâmica newtoniana é alterada em certos regimes, e isso leva a uma teoria relativística que não é a relatividade geral de Einstein (RG).

Enfim, parece que uma das características gerais dessas teorias é que, embora reproduzam os resultados newtonianos (ainda bem!), elas fornecem algumas possibilidades extras intrigantes. Exemplos: em boa parte dessas teorias parece haver curvas de tempo fechadas (o que leva a paradoxos causais) e a quebra do teorema de Birkhoff. Esse último caso é o mais interessante, pois tal quebra parece permitir a existência de forças gravitacionais sobre corpos reais, extensos (não-puntiformes), colocados no interior de uma casca esférica... Imaginemos que se descubra que uma dessa teorias explica melhor o universo do que a RG: aí a Terra Oca não seria mais algo tão maluco...

Um abraço!

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