Roberto Takata, como sempre de forma competente, fez uma réplica no Gene Repórter à minha tese de que mesmo a má divulgação científica e mesmo a pseudociência podem ser ganchos para a boa divulgação científica. Ele cita pelo menos três estudos onde "misconceptions" científicas interferem na aprendizagem correta de tais conceitos (dentro de um ambiente escolar).
Bom, acho que no meu post original, a idéia principal era que a divulgação científica tradicional (incluindo os blogs) talvez sofresse de um excesso de ênfase no texto em contraposição à outras mídias sub-utilizadas, por exemplo música, quadrinhos, stand-up comedy, clipes, filmes e games, que formam hoje o universo juvenil onde as decisões existenciais sobre atração ou repulsão à ciência se formam. Essa tese não é minha, mas foi aventada por vários blogueiros no final do II EWCLiPo
Eu reconheço que, no meu caso, a principal motivação para defender essa tese é de natureza anedótica, biográfica e geracional: na minha adolescência (1974-1980), não haviam revistas de divulgação científica decentes, programas científicos em TV a cabo, páginas de ciência nos jornais etc.
Com exceção das enciclopédias (Conhecer, Os Bichos, etc) e talvez a coleção "Os Cientistas", o meu interesse por ciência foi desperto por uns poucos livros de divulgação de Astronomia e vários livros de pseudociência: "O Despertar dos Mágicos" e "O Planeta das Possibilidades Impossíveis", de Powells e Bergier, a revista Planeta (OK, na época o editor era o Ignácio de Loyola Brandão...), os Deuses Astronautas de Daniken e coisas desse tipo. Ao perguntar para outros físicos de minha geração se eles também tinham lido e sido influenciados por tais livros, eu recebo frequentemente um sorrisinho de cumplicidade...
Ah, e é claro, Jornada nas Estrelas!!! (Mas alguém acha que Star Trek é cientificamente acurada ou passaria pelos critérios do Roberto? Mas, então, por que temos tantos cientistas que foram despertados e motivados pelo seriado?). Então acho que aqui, na questão da importância da Ficção Científica (enquanto fonte de Difusão Científica) para a Divulgaçao Científica, é que reside toda a minha discordância de Roberto Takata. Vou começar com um caso anedótico e depois com argumentação científica, OK?
Certa vez uma professora de ensino fundamental minha conhecida, na época com 26 anos, veio me pedir explicações sobre como ocorre uma eclipse lunar. É que naquela semana haveria uma eclipse e ela queria explicar isso para seus alunos da quarta série. Depois de quase uma hora em que eu tentei lhe explicar inutilmente como uma eclipe ocorria, ela exclamou:
"Mas... você está querendo me dizer que... OK, eu sei que a Terra é uma bola, mas nós vivemos do lado de fora da bola????"
Ou seja, naquele dia a cosmologia dela virou pelo avesso: ela pensava que os seres humanos viviam dentro de uma esfera onde o solo é uma bacia e a cúpula do céu cobre a mesma. Não se surpreenda que uma professora de 26 anos pense assim, pois cerca de 3% da população tem a mesma noção, tecnicamente chamada de "concepção espontânea". É o equivalente às "misconceptions" discutidas nos papers citados por Takata.
Não sabemos de onde vem tais concepções espontâneas. Elas se formem muito cedo na infância, durante o processo de auto-organização mental das crianças, e nada tem a ver com má divulgação científica ou pseudociências (não, essa professora nunca leu o livro "A Terra Oca", são os crentes na Terra Oca que são vítimas de suas concepções espontâneas). Sendo assim, o fato de que tais concepções prévias, por serem tão mentalmente arraigadas, interferem no aprendizado escolar não constituí um argumento a favor da tese do Takata de que "melhor nenhuma divulgação do que divulgação errada".
Mas este caso fornece um claro contra-exemplo à tese de Takata: basta supor que essa professora tivesse assistido uns poucos filmes de FC (alguns episódios de Star Trek?) para que essa "divulgação" de pop-culture simplesmente destruisse a tal concepção infantil prévia de Terra Oca. Afinal, todo adolescente fã de FC se distingue por saber claramente qual a diferença entre "sistema solar" e "galáxia", coisa que muito adulto não é capaz de fazer.
Ou seja, minha réplica a Takata é:
1. Concepções prévias estudas nos paper por ele citados não foram criadas por má divulgação científica, pop culture ou pseudociencias. A seta da causalidade está invertida: são essas concepções espontâneas infantis que favorecem a criação e disseminação dessas crenças.
2. Mídias não acadêmicas, cujo exemplo paradigmatico seria os livros e filmes de FC, ajudam a destruir tais concepções espontâneas, e não apenas a disseminá-las.
3. Talvez o Roberto esteja criticando o conteúdo informacional errado veiculado dentro de uma mídia. Concordo inteiramente com ele, mas esse não era o ponto da discussão, e sim a pluralidade de diferentes mídias passíveis de serem exploradas pela popularização científica: The Big Bang Theory é ordens de magnitude melhor que a divulgação científica feita pelo paleontólogo Ross no seriado Friends.
Bom, até agora apenas dei um exemplo casuístico e algumas opiniões. Para material mais científico sobre o tema do uso de outras mídias (no caso, a FC) para a divulgação e educação científica, deixo este link inicial (prometo mais links para o próximo post):
Feb 15, 1998
The popularity of books such as The Physics of Star Trek is making lecturers and teachers consider a new way of teaching science - through blockbuster movies.
At the annual American Association for the Advancement of Science (AAAS) meeting in Philadelphia today, Leroy Dubeck from Temple University presented a lecture on teaching science with the help of science fiction.
Science fiction movies are well known for breaking physical laws, and although Scotty, the chief engineer on Star Trek, frequently protested that he "could not break the laws of physics", the spaceship itself frequently did. This has not stopped books that explain the physics behind the series becoming extremely popular.
Dubeck has published books on the use of movies to teach science. His most recent book - Fantastic Voyages: Learning Science through Science Fiction Films - described the fundamental principles of physics through movies such as The Day the Earth Caught Fire and2010 . In his AAAS lecture he used Star Trek: the Next Generationto explain the Greenhouse Effect, and Star Wars to discuss the physics of outer space.
Usually Dubeck employs the movies to teach physics to arts students who require a core physics unit as part of their degree. Over 150 students enrol in such courses. He also teaches a specialized non-core science course Science and Science Fiction in Film to a much smaller class.
Dubeck has found that by teaching students through science fiction instead of traditional techniques, students gain a better understanding of the scientific principles. As an additional benefit, students seem to retain interest in the course throughout the semester, and class enrollment is higher than normal.
Support has also come from the National Science Foundation (NSF) which has helped develop a series of textbooks that use the scheme, though not all lecturers are convinced of the benefit of such methods. "Some colleagues like the technique while others consider it too gimmicky" said Dubeck.
In the UK, Jon Ogborn, director of the 16-19 physics initiative at the Institute of Physics, believes that the use of science fiction could help reverse the fall in the number of students studying physics. "Setting science within interesting narratives is crucial to keeping students involved" he says.
Other lecturers are equally surprised at the level of interest generated by talks based on the science of films. At a recent meeting of the Bristol Astronomical Society, nearly 100 people turned up to hear a talk on The Astrophysics of Star Trek given by Tino Canosa, a postgraduate student at Bristol University. "I can't remember the last time members of an audience actually asked for a lecture to be extended" said Canosa.
Comentários
http://genereporter.blogspot.com/2009/12/divagacao-cientifica-divulgando_23.html
[]s,
Roberto Takata