O Guia Cético para assistir a “Quem somos nós?"


Há alguns dias atrás, meu amigo *** quis saber minha opinião sobre o filme aparentemente científico "Quem Somos Nós?" ("What the Bleep do We Know?") . Widson Porto Reis, do Dragão da Garagem, teve a paciência de fazer dois longos posts (outros virão) comentando o filme.

Citando o Dragão da Garagem:



Quem também aparece no filme é o físico David Albert, professor na universidade de Columbia, nos EUA. David é um físico respeitável com credenciais sólidas. Por isso ficou chocado ao ver como as entrevistas que deu foram editadas de maneira a dar a entender que coaduna com as opiniões místicas dos produtores do filme:


Eu fui editado de maneira a suprimir completamente meus verdadeiros pontos de vista sobre o assunto que o filme trata. Eu sou, na realidade, profundamente contrário às tentativas de unir física quântica a consciência. Mais ainda, eu expliquei tudo isso, com grandes detalhes, em frente à câmera, para os produtores do filme. Se eu soubesse que eu poderia ser tirado do contexto tão radicalmente eu com certeza não teria aceitado participar do filme.


Estou meio sem tempo de comentar o filme, mas na versão DVD estendida que assisti (não sei se esta é a versão que o Widson viu) existe nos "Extras" uma entrevista com David Albert, na qual ele deconstrói a premissa do filme, lembrando que as tais idéias ligando colapso da função de onda (um termo já envelhecido) com a presença essencial de uma consciência é uma tese caduca, que esteve um pouco em moda na década de 50, mas que hoje ninguém mais leva em conta. Esse extra precisa ser assistido por todos os que apreciaram o filme. Já a entrevista com o quiroprático, também nos extras, é dispensável... (:o))


Entretanto, eu também tenho um reparo ao Dragão de Garagem: Widson, a Física Quântica, que apresenta fenômenos realmente estranhos como o emaranhamento quântico, não pode ser reduzida a uma visão clássica do mundo: lembre-se da citação de Feynman que você mesmo colocou. Assim, frases como:



Concluindo, dizer que uma bola não é sólida somente porque os átomos que a constituem possuem um monte de espaços vazios é quase a mesma coisa que dizer que ela não é sólida porque é oca. É falso. (...) Já na escala atômica um átomo exerce sobre seus vizinhos uma forte força de natureza eletromagnética. Estas forças são como as vigas invisíveis (ou molas rígidas como preferem os físicos) da estrutura molecular que mantém o edifício da matéria em pé. (...) Até hoje a superposição quântica nunca foi observada em objetos maiores do que algumas dezenas de átomos e há bons motivos para acreditar por que nunca será, conforme veremos. (...)


dão a impressão que você quer reter uma visão de mundo baseada em bolinhas de massa compacta, visão que precisa ser superada. E, afinal de contas, uma bola oca macroscópica também não é sólida, não é mesmo? Bom, pelo menos na sua cavidade oca, ela é um gás...


Uma ótima introdução a uma visão mais sofisticada da física de partículas, que evita esse estereótipo de bolinhas de massa, é dada pelo livro da Maria Cristina Abdalla, O discreto charme das partículas elementares.


Então cuidado: não é verdade que a Física Quântica afeta o comportamento apenas no nível microscópico. Um exemplo recente de Física Quântica macroscópica pode ser encontrado aqui, onde efeitos quânticos fortes são observados em circuitos elétricos macroscópicos (ok, usando supercondutores...). Mas, em todo caso, parabéns pela iniciativa, pois você conseguiu em linguagem simples realmente explicar coisas como funções de onda, decoerência quântica etc.



Comentários

Anônimo disse…
Osame,

Não fui eu não quem lhe pediu opinião sobre o tal programa. Na verdade, eu já assisti e tenho opinião (própria) formada de que é uma merda. O roteiro então, com aqueles personagens superficiais e suas crisezinhas existenciais, é de dar pena.

Eu já usei o "Arte & Matemática" da Cultura em uma de minhas aulas. Às vezes os caras escorregam, mas no geral os episódios valem muito a pena. ABS, RK.
Eduardo Cassús disse…
Caro Osame,
Obrigado por ter feito um link do seu blog para o meu (Meu amigo Sohxlet), mas peço que corrija meu sobrenome. Eu me chamo Eduardo Cassús e não Cassís.
Parabéns pelo belo blog que você criou.
Osame Kinouchi disse…
Eduardo, já está corrigido. Renato, preciso entao lembrar quem foi que perguntou isso... Entao botei um asteristico.

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